Naquele tempo os comerciantes
puxavam pela imaginação para aumentarem as vendas. Criavam um serviço de
distribuição de prendas, lideradas por um Pai Natal vestido a rigor, instalado
num Ford ou num Opel, em substituição dos trenós, coadjuvado por um condutor
que normalmente era o dono da loja.
Cumprida a obrigação da Missa do
Galo ali estava eu, com o nariz esborrachado na vidraça embaciada pelo respirar
ofegante provocado pela emoção do momento, à espera do Pai Natal.
Via-os passar para cima e para
baixo e perguntava-me por que raio não paravam na minha casa. Assolava-me a
dúvida se o meu comportamento teria alguma coisa a ver com essa postura do Pai
Natal, ignorando os esclarecimentos avisados da minha mãe que me tentava acalmar
dizendo que o Pai Natal não podia parar em todas as casas ao mesmo tempo, explicação
que eu me esforçava por acreditar que fosse verdade.
Era madrugada. Já tinha desistido
da janela. Recostado no sofá, dividindo o tempo entre contemplar o piscar das
lâmpadas coloridas que contornavam uniformemente a árvore e umas rápidas
passagens pelas brasas, ouvi o carro parar à frente da minha casa e daí a pouco
era a campainha a sinalizar a visita do Pai Natal.
Por entre algumas frases que a
ocasião proporciona, o Pai Natal dobrou-se e do fundo do seu saco encarnado
retirou dois embrulhos que me eram destinados. As pulsações aumentavam tal a
ansiedade.
Abri o primeiro dos presentes.
Dois pares de meias e duas cuecas. Abri o segundo, muito mais apreensivo. Era
uma bola de futebol, muito diferente das bolas de plástico que eu e os meus
amigos havíamos recebido no ano anterior. O seu cheiro fazia-me pensar que era
de muito melhor qualidade, parecia borracha e tinha uma válvula para ajustar a
sua pressão. Era uma bola e tanto… Nunca tinha tido uma igual.
No dia seguinte dei a volta pelas
casas dos meus amigos, orgulhoso e de bola debaixo do braço ia distribuindo
convites verbais para uma futebolada
na Avenida.
A Avenida tinha uma particularidade ideal para este tipo de brincadeiras. Até ao Hospital ainda havia algum movimento, mas a partir da casa dos magistrados apenas passava o senhor Mário, com o camião Scania da Junta Geral, ou o senhor Luís Coelho para o Rádio Farol. Como estávamos perante um dia feriado apenas podíamos ter algum movimento para o Rádio Farol.
Na hora marcada, lá estávamos
nós. Depois de divididas as equipas começaram as hostilidades. O jogo era
intenso e exigia de nós muita atenção. As balizas eram marcadas com pedras e o
meio do campo era calculado a olho.
Entusiasmados com o decorrer do
jogo e embrenhados na missão de marcar mais golos que o nosso adversário, não
reparamos na aproximação de um polícia que, numa missão destinada a manter a
ordem pública, interrompeu o jogo e apreendeu a minha preciosa bola.
De lágrimas nos olhos vi o agente
da autoridade, com um ar malicioso, afastar-se com a bola que o Pai Natal me
havia presenteado horas antes.
Por entre a raiva e a
incompreensão por tal zeloso ato, vi, deste modo, ser destruído um sonho de
criança.
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