29 de fevereiro de 2012

Oriolando de Sousa Machado Correia da Silva

Oriolando de Sousa Machado Correia da Silva

(06/11/1938 – 31/03/2008)

A primeira vez que ouvi o Cântico Negro de José Régio, já lá vão uns bons anos, foi pela voz do Oriolando. Creio que ninguém fica indiferente a estas poderosas estrofes, mas confesso que este cântico ganhou um lugar de honra nos meus gostos literários, muito por culpa de uma declamação que senti, na altura, ser perfeita, pelo tom, pelo ritmo e pela sensibilidade de quem o dizia.

Com o seu timbre forte mas, ao mesmo tempo, melodioso, o Oriolando declamava este e outros poemas como ninguém.

Também cantava acrescentando sentimento às interpretações que fazia, desde músicas do reportório popular até às mais eruditas, passando pelas de intervenção política mais conhecidas.

Era um notívago assumido e nessa condição era frequente vê-lo em convívios com os inúmeros amigos, que, quase sempre, proporcionavam momentos dedicados ao canto, à declamação ou a discorrer sobre História, de que tanto gostava, ou em simples cavaqueira. 

Assisti, no palco da antiga cerca da Filarmónica Recreio dos Artistas, aos ensaios de uma peça de teatro dirigida pelo senhor Brivaldo Santos, onde o Oriolando tinha um papel importante que representava com proficiência. Nesse tempo o teatro fascinava os miúdos que, sem mexer uma palha, assistiam incrédulos aos intermináveis ensaios, onde os atores se comportavam como autênticos profissionais.

Era um eloquente orador e, nessa qualidade, era convidado com muita frequência para dissertar em cerimónias públicas, efemérides ou lançamentos literários.

Defendia os ideais de esquerda. Esta era a sua posição política que, no verão quente de 1975, lhe terá causado alguns dissabores, que soube enfrentar com coragem e determinação, rendendo-lhe, mais tarde, o respeito e admiração quer dos companheiros quer dos que não pensavam como ele.

Durante a sua vida participou ativamente na vida pública do seu concelho, tendo sido deputado municipal.

Encontrou na História a sua paixão. Nos últimos tempos fez investigação e chegou a pôr em causa alguns conhecimentos dados como certos da história da Graciosa, com fundamentos válidos e que apresentava com sabedoria.

Foi também genealogista, tendo sido um dos grandes mentores e impulsionadores dos vários encontros regionais destes especialistas realizados na Ilha Graciosa.

Profissionalmente foi solicitador e, nessa qualidade, participou em inúmeros atos onde se destacava pela sua oratória e conhecimentos jurídicos.

Esteve também imbuído do espírito associativo e, como tal, fez parte de diversos corpos sociais de clubes locais e foi também sócio fundador da Cooperativa Rádio Graciosa e o primeiro presidente da sua Assembleia Geral.

Embora sem grandes habilitações académicas este autodidata era um homem de saberes que ombreava com os demais na valorização da cultura e das tradições.

23 de fevereiro de 2012

O Carnaval ainda é o que era


Por estas alturas do ano recordo sempre uma conversa que ouvi da boca de um senhor de provecta idade que afirmava que, para ele, o dia mais triste do ano era aquele em que terminava o Carnaval. Sentia-se a veracidade nestas palavras por serem ditas de maneira sentida.

Os Graciosenses, de uma ou de outra forma, gostam do Carnaval, que, por cá, é festejado de uma forma diferente, com caraterísticas muito enraizadas e que, felizmente, tem sido mantidas ao longo dos anos por gente anónima que dedica muito do seu tempo às atividades dos clubes que proliferam pela ilha.

Esta festa é transversal a toda a sociedade. Desde crianças até aos idosos, todos se divertem à sua maneira e ao seu ritmo.

A alegria é uma constante. Vive-se cada dia de festa de forma intensa, deitando para trás das costas as amarguras que estes tempos difíceis nos têm trazido.

Os bailes de salão têm o seu início logo a seguir ao Natal, às vezes antes, e são frequentados por várias gerações de Graciosenses e de forasteiros, que aproveitam estes momentos para se divertirem, revisitarem velhas amizades e conviverem. Muitos destes bailes terminam já depois do nascer do sol, sempre de forma ordeira apesar de alguns excessos próprios destes momentos.

Os grupos de fantasias, vestidas a rigor e quase sempre com cores garridas, percorrem todos os clubes da ilha executando coreografias mais ou menos simples - porque a folia não combina com grandes rigores técnicos - apresentando, deste modo, o contributo que dão a esta festa que é, no fundo, de todos.

As pessoas que têm passado pela experiência de viver estes dias connosco não ficam indiferentes e reconhecem que estes momentos são inesquecíveis, pela alegria contagiante, pela diversão pura e, sobretudo, por serem muito bem recebidas.

Por isso a nostalgia sentida pelo senhor que vos falei há pouco não deve ser rara. Muitos Graciosenses e muitas pessoas que nos visitam sentirão o mesmo.

Resta-nos a certeza de que para o ano haverá mais.

16 de fevereiro de 2012

As pescas e o futuro


As pescas desenvolveram-se nos últimos anos por via do melhoramento da frota, da construção e reparação de portos e de outras estruturas de apoio e da formação dos seus profissionais.

Nos últimos 10 anos (2001-2010) o número de pescadores nos Açores quase que duplicou, contrariando a tendência nacional, e isso devido à melhoria das condições de trabalho proporcionado a uma classe que abandonou a pesca de subsistência, ou a meio-tempo, e fez da atividade uma profissão digna e com bom rendimento.

É certo também que a pesca descarregada tem oscilado um pouco, dada a imprevisibilidade própria desta atividade que depende de diversos fatores, mas a tendência do valor dessas capturas tem vindo a crescer, muito embora com algumas exceções, como foram os casos de 2009 e 2011.

Pela leitura dos dados disponíveis verifica-se que apesar de, na sua globalidade, a pesca demersal ter vindo a ter apenas uma ligeira quebra, nota-se grande declínio nalgumas espécies deste grupo (de 1996 a 2011), quer na quantidade quer em qualidade, como são os casos do Boca Negra, do Congro, do Goraz, do Pargo e do Peixão.

Em tempos pensava-se que os recursos marinhos dos Açores eram ilimitados e que os problemas com a conservação de stocks não eram connosco.

Hoje, todos os intervenientes na fileira da pesca estão perfeitamente conscientes que é preciso manter as atuais e criar outras medidas preventivas para se evitar problemas de reposição de algumas espécies demersais.

Para esta visão realista terá contribuído, e em muito, o Departamento de Oceanografia e Pescas, que tem produzido importantes estudos na área da gestão dos recursos marinhos, reconhecidos a nível internacional e efetuado ensaios com sucesso, como é o caso da recuperação do banco de pesca Condor.

É fundamental garantir a sustentabilidade deste sector, com a aplicação das medidas de precaução já previstas, juntando outras, nomeadamente as que protegem as pequenas frotas de pesca artesanal das ilhas mais pequenas, porque a pesca contribuí com 3,6% para o Produto Interno Bruto da Região e ocupa, direta ou indiretamente, cerca de 5% da população ativa.

A atividade tem ainda um peso económico e social mais importante em algumas ilhas ou em comunidades mais pequenas.

Foi por estas razões que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista criou um grupo de trabalho, do qual fiz parte, para analisar esta problemática, apresentando as suas conclusões e elaborando uma bateria de recomendações tendo em vista a preservação dos recursos e a melhoria dos rendimentos dos profissionais da pesca.

Mais do que falar é preciso agir. E é para isso que cá estamos.

15 de fevereiro de 2012

O Gasparinho

Gaspar Manuel dos Santos Cordeiro
(04/09/1952 – 25/07/2011)

Em finais de julho passado fomos surpreendidos com a morte do Gasparinho, pouco tempo depois de ter sido assolado pela doença.
Por mais que queiramos nunca estamos preparados para enfrentar a morte como um desígnio da natureza, sobretudo quando esta nos rouba alguém a quem queremos muito e que muito ainda tinha para dar.
Era o caso do Gasparinho. Na Ilha Graciosa todos gostávamos dele. Para isso terá contribuído a sua maneira de ser, a sua maneira de agir e, sobretudo, a humildade e a bondade que colocava no relacionamento com os outros.

Na farmácia, onde trabalhou cerca de 40 anos, era um excelente profissional, dando sempre uma palavra a quem procurava aquele estabelecimento. Gente idosa e fragilizada pela doença constituí a maior franja de utentes de qualquer farmácia e, por vezes, aquando da compra de mais um medicamento para lutar contra a doença ou retardar e tratar os efeitos da velhice, uma voz amiga pode fazer toda a diferença. E era aí que o Gasparinho era exímio. Sem se deixar levar pelos lamentos de quem sofria, dava a cada um dos “seus clientes” uma palavra de alento e de coragem.

A música era uma das suas grandes paixões. Foi trompetista na Filarmónica Recreios dos Artistas, onde tocou com o pai, um tio e um irmão. Tocou guitarra e deu a voz nos conjuntos Selvagens do Rimo e Ritmo 2000, com quem gravou dois discos, Terra de Gente e Mar e Ritmo 2000 ao vivo nos Estados Unidos. Andou ainda muitos anos a animar os bailes de carnaval tocando no conjunto do Graciosa Futebol Clube.

Tinha uma voz inconfundível, que se sobrepunha em suave melodia aos instrumentos musicais permitindo ouvir os bonitos temas que gostava de interpretar, desde fados até aos temas populares, acompanhado sempre pela sua guitarra, que tocava com desvelo. Com a sua trompete dourada dava show nos bailes tradicionais e quando se juntava ao Acácio e ao Valdemiro, em improvisos nas frequentes tertúlias, completava uma tripla de se lhe tirar o chapéu. Quem assistiu a estes momentos nunca os esquecerá. Foram noites e noites animadas por estes verdadeiros artistas.

Ouvi o Gasparinho cantar pela última vez na Gala do Desporto Açoriana, com os KontraBanda, no que agora, à distância, me parece uma espécie de despedida.

Foi também um grande jogador de futebol. Sempre o conheci a jogar a defesa central no seu clube de sempre, o Graciosa Futebol Clube, que serviu - como atleta, como músico ou como dirigente – até ao dia da sua morte, altura em que era Presidente da Direção.

Como jogador era conhecido pela elegância que punha em campo. Jogava muito bem, de cabeça e com os pés. Era muito astuto na leitura do jogo e com um comportamento irrepreensível. Como capitão da equipa dava alento aos colegas nas horas dos fracassos e rejubilava nas vitórias. Era ele que empurrava a equipa para a frente, literalmente.

O Gasparinho tinha várias qualidades e talentos, mas distinguiu-se, sobretudo, por ter sido um grande Homem.

9 de fevereiro de 2012

Ameaças


A autonomia política e administrativa foi a conquista maior que os Açores obtiveram a partir da revolução de abril de 1974. O mote tinha sido dado por anos de lutas infrutíferas, mas quando surgiu a oportunidade, os açorianos não a enjeitaram. Este é um dado adquirido reconhecido por todos.

Essa prerrogativa, ansiada há muito pelos açorianos, permitiu que estas ilhas, abandonadas pelo estado centralista que nos governava até então, se desenvolvessem.

Foram os seus governos que, legitimados pelo voto popular, traçaram estratégias para recuperar o tempo perdido.

Nos últimos anos, já com os governos do Partido Socialista e com o importante financiamento dos fundos comunitários, concretizou-se a infraestruturação da região, em áreas fundamentais, como a agricultura, a pesca, o turismo, o comércio, os transportes e a indústria. Em paralelo, foram também implementadas políticas públicas importantes, na área social, na gestão de resíduos, na produção de energia com base em fontes renováveis, na preservação do ambiente, entre outras.

A estratégia produziu efeitos rapidamente porquanto estes setores, depois de uma reestruturação, consolidaram-se e hoje contribuem ativamente para os progressivos ganhos da economia regional. O número de empresas aumentou assim como aumentou o número de pessoas empregadas, notando-se, sobretudo, um reforço da empregabilidade feminina.

Ficamos mais fortes, mais autossuficientes, mas, como parte integrante da Europa, ficamos, também, mais expostos às ameaças que surgem do exterior.  

Hoje estamos a enfrentar esta crise atípica que abala a Europa, e muitos outros países do mundo, que tem como principal caraterística a imprevisibilidade dos seus efeitos nefastos.

O Governo dos Açores, e muito bem, tem centralizado a sua ação, nestes conturbados tempos, no apoio às famílias e às empresas. A decisão de colocar sempre as pessoas em primeiro lugar, confirma e reforça o lema que tem acompanhado o Partido Socialista desde que está a exercer o poder.

Mas esta crise traz outras ameaças. Poderá despertar nos centralistas – de todos os partidos, diga-se – sentimentos recalcados e que surgem á luz do dia logo na primeira oportunidade.

Não acredito que a autonomia esteja em risco, mas não tenho dúvidas que os ataques surgirão, a breve trecho, a reboque da polémica do “buraco” da Madeira.

Só há duas coisas a fazer: cerrar fileiras e resistir.

2 de fevereiro de 2012

Para além do limite


As medidas de austeridade eram esperadas e toda a gente sabia que era preciso inverter a tendência de se gastar mais do que se pode. Não era um problema único de Portugal. O mesmo se passava e passa noutros países por essa Europa fora e pelo mundo.

O governo de José Sócrates caiu porque a oposição não pactuava com mais austeridade, nomeadamente a que estava prevista no chamado PEC 4.

Depois de jurar, a pés juntos, que a via para resolver o défice não passava pelo reforço do plano de austeridade, eis-nos perante um governo que, utilizando o medo como arma, ultrapassa, e em muito, o que está acordado com a troika.

E fá-lo sem qualquer pejo, como aconteceu logo a seguir ao acordo de concertação social onde o governo assegurou que em matéria laboral se tinha ido mais além do acordado.

Fá-lo também com consciência de que a austeridade não chega de igual modo a todos. Veja-se o caso do Banco de Portugal, dos novos contratos para cargos governamentais, que preveem 14 meses, sem, no entanto, lhes chamar subsídios de férias e de natal ou das recentes nomeações para a EDP onde a contenção salarial é coisa que não existe.

Este orgulho de ir até ao limite do razoável, atropelando direitos laborais e desmantelando o estado social faz-nos perceber que o poder está nas mãos de neoliberais que, neste momento, apenas querem mostrar serviço à dupla Merkel - Sarkosy.

Poderíamos ficar aqui a fazer considerações de vária ordem e esquecer o essencial. O grande problema é que, neste momento, muita gente passa por dificuldades. Estes cortes generalizados, por vezes cegos, estão a originar o desmoronar de pequenas e médias empresas, mandando para o desemprego milhares de pessoas. Retirar dinheiro à economia neste momento agudiza a crise e não há pastéis de nata que nos valham. 

Aqui nos Açores, apesar de termos as contas em ordem, estamos também a apanhar por tabela. A crise está aí, ninguém duvida.

O PSD, cá como lá, apesar da pouca margem de manobra, tenta, a todo o custo, dar a paternidade desta crise aos adversários políticos esquecendo-se que o povo tem os olhos bem abertos e já não vai em balelas.