António Maria da Cunha
(17/07/1918 –
10/04/2000)
Já passava das onze horas daquela
noite fria e chuvosa quando bateram à porta da casa do senhor António Maria, no
caminho Velho dos Fenais. Já estava habituado a que lhe batessem à porta, tanto
de dia como de noite. Era, quase sempre, um sinal de que alguém precisava dele
e dos seus conhecimentos adquiridos ao longo de uma vida de labuta. Tal como a
maioria das pessoas que vivem do amanho da terra e da criação de gado, o senhor
António Maria levantava-se muito cedo, para começar o seu duro dia, por isso
aquela hora era já tardia.
Ao longo de toda a sua vida foi
ganhando experiência no tratamento das mazelas e no acompanhamento dos partos dos
seus animais, que, por vezes, por não correrem bem requeriam a intervenção
humana para evitar perdas.
Ao mesmo tempo que a sua
exploração ia crescendo, também crescia a sua fama no que respeitava ao acerto
nos tratamentos dos animais e na resolução de partos mais difíceis. É claro
que, numa ilha desprovida de médico veterinário durante anos e anos, este homem
constituía uma mais-valia importante e, como tal, passou a ser muito procurado
pelos agricultores de toda a Graciosa.
Era o caso daquela noite. O João,
apercebendo-se que a melhor vaca da sua pequena manada, a “Caiada”, estava
prostrada numa altura em que devia estar a parir, não hesitou e agarrou na sua
motorizada Famel e meteu-se a caminho até aos Fenais.
O senhor António Maria veio à
porta e ouviu da boca do aflito dono da “Caiada” a descrição do problema. Este
ordenou que procurasse mais alguém para os ajudar e foi trocar o pijama por
roupa quente e um fato de água, pois a noite não estava para brincadeiras e
ainda por cima podia ser longa. De seguida mete-se na sua carrinha Peugeot, que
mais parecia uma farmácia ambulante, e põe-se a caminho da pastagem do João, lá
para os lados da Serra Branca.
Depois de algumas injeções e de
várias manobras, lá acabou por nascer o bezerro da “Caiada”, aparentemente
saudável. Já passava das três da manhã.
Muitas noites do senhor António
Maria da Cunha terão sido passadas assim, ajudando os outros de forma abnegada.
Aos agricultores com mais dificuldades nem o dinheiro dos medicamentos levava.
Como agricultor o senhor António
Maria fez um grande percurso, sempre na sua ilha Graciosa, apesar de ter feito
uma tentativa para emigrar com destino ao continente africano a chamamento de
um amigo, mas sem qualquer sucesso. Começou com uma pequena exploração, que
partilhava com a condução de um táxi, e foi crescendo, até ser a maior agricultor
desta ilha, já a tempo inteiro. Foi um dos pioneiros do melhoramento animal,
pois na tentativa de obter um melhor rendimento procurou noutros mercados
adquirir produtoras de raças com caraterísticas ideais para a produção de leite.
Mais tarde abandona a produção de leite e dedica-se exclusivamente à fileira da
carne.
Eram também conhecidos os enormes
bois, que exibia com orgulho, capazes de dar um melhor rendimento no trabalho
da terra, numa altura em que a mecanização era inexistente.
Foi pelas suas mãos que veio até
esta ilha um enorme arado que, puxado por 12 juntas de bois, revolvia a terra até
profundidades consideráveis tornando-a mais produtiva.
Sem sombra de dúvida que esta
postura inovadora, a sua experiência e a sua visão do futuro terão impulsionado
outros agricultores desta ilha. Quando falava em agricultura fazia-o com paixão
e isso via-se nos encontros públicos em que participava, onde tinha sempre uma
palavra a dizer e era ouvido com respeito e admiração.
Apesar de ter apenas a instrução
primária gostava de escrever, sobretudo poesia, que declamava em eventos
públicos ou oferecia aos seus amigos.
Entre 1982 e 1985 foi Vereador da
Câmara Municipal de Santa Cruz da Graciosa.
Nove anos após a sua morte a
Associação Equestre Graciosense associa o nome de António Maria da Cunha ao seu
picadeiro, numa merecida e rara homenagem a um homem que deu tudo à sua terra.
Em 2010, em sessão solene
realizada na ilha do Corvo, os órgãos próprios da Região Autónoma dos Açores
atribuem-lhe, a título póstumo, a Insígnia Autonómica de Mérito Industrial,
Comercial e Agrícola.
Este homem solidário e de vistas
largas morreu com aquilo com que começou, ou seja, quase nada, mas teve uma
vida muito preenchida, onde se destaca uma inusual dedicação aos outros,
sobretudo os mais desprotegidos.
1 comentário:
Talvez não será por demais relembrar que este mesmo homem foi homenageado pelas associações agricolas desta ilha, aquando da realização de uma feira agricola que se realizou pelas festas de guadalupe, ao qual foi entregue uma salva de prata e entregue pelo Dr Pedro Araujo, aquando da sua entrada ao serviço nesta ilha como 1º veterinário nascido na ilha.
Enviar um comentário