23 de maio de 2012

Agricultor inovador e homem solidário




António Maria da Cunha

(17/07/1918 – 10/04/2000)

Já passava das onze horas daquela noite fria e chuvosa quando bateram à porta da casa do senhor António Maria, no caminho Velho dos Fenais. Já estava habituado a que lhe batessem à porta, tanto de dia como de noite. Era, quase sempre, um sinal de que alguém precisava dele e dos seus conhecimentos adquiridos ao longo de uma vida de labuta. Tal como a maioria das pessoas que vivem do amanho da terra e da criação de gado, o senhor António Maria levantava-se muito cedo, para começar o seu duro dia, por isso aquela hora era já tardia.

Ao longo de toda a sua vida foi ganhando experiência no tratamento das mazelas e no acompanhamento dos partos dos seus animais, que, por vezes, por não correrem bem requeriam a intervenção humana para evitar perdas.

Ao mesmo tempo que a sua exploração ia crescendo, também crescia a sua fama no que respeitava ao acerto nos tratamentos dos animais e na resolução de partos mais difíceis. É claro que, numa ilha desprovida de médico veterinário durante anos e anos, este homem constituía uma mais-valia importante e, como tal, passou a ser muito procurado pelos agricultores de toda a Graciosa.

Era o caso daquela noite. O João, apercebendo-se que a melhor vaca da sua pequena manada, a “Caiada”, estava prostrada numa altura em que devia estar a parir, não hesitou e agarrou na sua motorizada Famel e meteu-se a caminho até aos Fenais.

O senhor António Maria veio à porta e ouviu da boca do aflito dono da “Caiada” a descrição do problema. Este ordenou que procurasse mais alguém para os ajudar e foi trocar o pijama por roupa quente e um fato de água, pois a noite não estava para brincadeiras e ainda por cima podia ser longa. De seguida mete-se na sua carrinha Peugeot, que mais parecia uma farmácia ambulante, e põe-se a caminho da pastagem do João, lá para os lados da Serra Branca.

Depois de algumas injeções e de várias manobras, lá acabou por nascer o bezerro da “Caiada”, aparentemente saudável. Já passava das três da manhã.

Muitas noites do senhor António Maria da Cunha terão sido passadas assim, ajudando os outros de forma abnegada. Aos agricultores com mais dificuldades nem o dinheiro dos medicamentos levava.

Como agricultor o senhor António Maria fez um grande percurso, sempre na sua ilha Graciosa, apesar de ter feito uma tentativa para emigrar com destino ao continente africano a chamamento de um amigo, mas sem qualquer sucesso. Começou com uma pequena exploração, que partilhava com a condução de um táxi, e foi crescendo, até ser a maior agricultor desta ilha, já a tempo inteiro. Foi um dos pioneiros do melhoramento animal, pois na tentativa de obter um melhor rendimento procurou noutros mercados adquirir produtoras de raças com caraterísticas ideais para a produção de leite. Mais tarde abandona a produção de leite e dedica-se exclusivamente à fileira da carne.

Eram também conhecidos os enormes bois, que exibia com orgulho, capazes de dar um melhor rendimento no trabalho da terra, numa altura em que a mecanização era inexistente.

Foi pelas suas mãos que veio até esta ilha um enorme arado que, puxado por 12 juntas de bois, revolvia a terra até profundidades consideráveis tornando-a mais produtiva.

Sem sombra de dúvida que esta postura inovadora, a sua experiência e a sua visão do futuro terão impulsionado outros agricultores desta ilha. Quando falava em agricultura fazia-o com paixão e isso via-se nos encontros públicos em que participava, onde tinha sempre uma palavra a dizer e era ouvido com respeito e admiração.

Apesar de ter apenas a instrução primária gostava de escrever, sobretudo poesia, que declamava em eventos públicos ou oferecia aos seus amigos.

Entre 1982 e 1985 foi Vereador da Câmara Municipal de Santa Cruz da Graciosa.

Nove anos após a sua morte a Associação Equestre Graciosense associa o nome de António Maria da Cunha ao seu picadeiro, numa merecida e rara homenagem a um homem que deu tudo à sua terra.

Em 2010, em sessão solene realizada na ilha do Corvo, os órgãos próprios da Região Autónoma dos Açores atribuem-lhe, a título póstumo, a Insígnia Autonómica de Mérito Industrial, Comercial e Agrícola.

Este homem solidário e de vistas largas morreu com aquilo com que começou, ou seja, quase nada, mas teve uma vida muito preenchida, onde se destaca uma inusual dedicação aos outros, sobretudo os mais desprotegidos.

1 comentário:

Luiz silva disse...

Talvez não será por demais relembrar que este mesmo homem foi homenageado pelas associações agricolas desta ilha, aquando da realização de uma feira agricola que se realizou pelas festas de guadalupe, ao qual foi entregue uma salva de prata e entregue pelo Dr Pedro Araujo, aquando da sua entrada ao serviço nesta ilha como 1º veterinário nascido na ilha.