Brivaldo Bettencourt Santos
(21/06/1895 –
17/11/1984)
Naquele tempo, crianças com
éramos, parecíamos todos felizes. Nas férias brincávamos de manhã até à noite,
apenas com uns intervalos para as refeições. Em altura de escola aproveitávamos
os tempos que nos davam os nossos pais para brincar e jogar. E não se pense que
eram brincadeiras simples. Exigiam de nós força, destreza física, resistência,
imaginação e espírito de grupo.
Não tínhamos computador ou play
station. Não havia televisão e os livros eram poucos. Mas mesmo assim tínhamos
uma panóplia de jogos à nossa disposição, como a barra, o rato de sociedade, o pião,
a navalha e, por último, o quartel-general, que nos entretinham durante todo o
ano, revezando-se por épocas estabelecidas por nós de forma quase automática e de
maneira a nunca fartar. Para além destes, ainda havia tempo para corridas com
babosas no íngreme cerrado do senhor Carlos da Marina no Monte da Ajuda ou com
carros de ladeira.
Quando íamos para os lados do
Coval para mais umas corridas, passávamos pela Pensão Graciosa, do senhor
Brivaldo Santos. Pela manhã aquele cheirinho a café de cevada, que vinha da sua
afamada cozinha, invadia a rua.
Dos cinco quartos da Pensão
Graciosa quatro ficavam no primeiro andar e um no rés-do-chão. Todos tinham um
lavatório de louça encastrado em armações de ferro, onde se viam as toalhas
impecavelmente dobradas. Das alvas camas sobressaía a dobra dos lençóis com lindos
bordados. A escada e o corredor estavam forrados com plantas. No rés-do-chão
havia uma loja que era usada pelos inúmeros caixeiros-viajantes que demandavam esta
ilha, como mostruário dos seus produtos para serem apreciados pelos comerciantes
locais.
Era nessa loja, quando não estava
ocupada pelos clientes, que o filho, Valdemiro Santos, e o sobrinho, Luís Avelino,
montavam uma sala de cinema, destinada a jovens, com filmes de oito milímetros,
normalmente do Bucha e Estica. Um escudo era o suficiente para pagar a entrada
e mais alguns centavos davam para um copo de sumo e as pipocas da praxe.
Passávamos assim as tardes de domingo.
Muito antes, e tal como muitos
jovens da sua idade, o senhor Brivaldo teve de emigrar, quando tinha apenas 18
ou 19 anos de idade. O Brasil foi o seu destino. Regressa quando perfaz 25 anos
e emprega-se numa chapelaria instalada nos baixos da antiga casa do senhor
Eurico Vieira da Costa.
No início dos anos vinte resolve
abrir uma pensão. O Carapacho foi local escolhido para instalar o primeiro
estabelecimento do género na ilha, impelido pelo despertar da procura das águas
“milagrosas” daquela zona. Não deve ter sido fácil empreender tal estrutura num
local que, na altura, era de difícil acesso. Em 1924 inaugura a Pensão
Graciosa, na casa da família do senhor José Araújo. É nessa altura que a sua cozinha
ganha fama. Passaram por lá excelentes cozinheiros como o Carlos Pereira
Valentim ou o Caetano Álvaro da Cunha. Consta que este último terá sido
convidado a ir até Lisboa pelo Presidente da República de então, General
Craveiro Lopes, aquando da sua visita a esta ilha em julho de 1957,
precisamente por ter gostado do que comeu. Caetano Álvaro da Cunha fez a sua
carreira no Palácio de Belém, onde chegou a chefe de cozinha.
O senhor Brivaldo optou depois por
reduzir a atividade e transferiu a Pensão Graciosa para o Coval, donde partimos
para esta nossa pequena crónica.
Além da sua vida profissional, fez
parte das primeiras direções do Graciosa Futebol Clube. No entanto é na
Filarmónica Recreio dos Artistas, agora quase a completar cem anos de
existência, que exerceu mais cargos. Foi mestre de sala, função que, naquele
tempo, era considerada importante pelo papel na organização das festas,
sobretudo bailes. Destacou-se também como ensaiador e ator do grupo de teatro
daquela instituição, tendo, numa ou noutra qualidade, levado à cena, entre
outras peças, “O Amigo de Peniche” e ”Na Boca do Lobo”. Ainda coreografou
inúmeras fantasias de carnaval que se apresentavam em todos os clubes da ilha.
O senhor Brivaldo Bettencourt Santos
foi, sem dúvida, um pioneiro na hotelaria e um dinamizador cultural, que merece
ser destacado pelo espírito empreendedor e pela sua entrega ao serviço da
comunidade Graciosense.
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