Francisco da Cunha
Vasconcelos Oliveira
(22/12/1939 –
31/03/1987)
Naquele dia 13 de agosto de 1976,
quando eram sensivelmente duas horas da tarde, o iate Espírito Santo, com a
matrícula SG-16-TL, saiu do porto das Velas, tal como fizera inúmeras vezes. Tinha
acabado de descarregar a mercadoria vinda da Terceira e destinada àquela ilha,
ficando ainda no porão muita carga destinada ao próximo porto de escala, desta
vez no Pico.
O mar estava calmo naquela tarde
de verão. A bordo seguiam também muitos passageiros que aproveitavam aquela
ligação à vizinha ilha do Pico. À saída do porto, e quando nada fazia prever
tal desfecho, o barco adornou suavemente, inundando a casa das máquinas e as
salas repletas de passageiros. Esta situação terá sido provocada pela elevada
concentração dos passageiros a bombordo do barco. A carga mais pesada,
constituída por bidões com asfalto e ferro destinado à construção civil, terá corrido
colocando a embarcação numa posição perigosa. Foi o pânico a bordo. De terra
foi possível observar o acidente e por isso vieram várias pessoas e alguns
barcos prestar socorro aos passageiros e tripulantes. Gente corajosa e anónima
terá regressado várias vezes à inundada embarcação para retirar outros
passageiros que se terão atrapalhado no meio de toda aquela confusão.
O balanço foi trágico. Neste
acidente pereceram sete pessoas, seis eram passageiros e um fazia parte da
tripulação. Depois das manobras de salvamento e da retirada dos corpos, o barco
Espírito Santo foi rebocado até ao porto da Horta e, mais tarde, dirigiu-se
para o estaleiro de Santo Amaro, no Pico, onde foi recuperado, tendo navegado até
ao ano de 1992.
O senhor Francisco da Cunha era
conhecido como um homem humilde, bondoso e de trato fácil. Naquela altura era
gerente dos Transportes Marítimos Graciosenses, empresa com um capital social de
cem contos, dividido equitativamente por vinte sócios. Mal foi conhecida a
notícia do acidente o senhor Francisco tratou de ir, primeiro, até S. Jorge e,
depois, até à Horta para se inteirar da situação, avaliar os danos e resolver o
que tinha de ser resolvido. Foi uma árdua tarefa que desempenhou com zelo e
rapidez, como o caso requeria.
Naquela data a empresa detinha
apenas o velhinho Espírito Santo de madeira construído em frente à casa do Dr. Vinício
Albuquerque, na Praia, pelo mestre Manuel Joaquim de Melo, que tinha vindo do
Pico para esse efeito. O Fernão de Magalhães, também de madeira e vocacionado
para o transporte de cargas, tinha saído do serviço nesse mesmo ano.
O senhor Francisco da Cunha não
era um gerente qualquer. Para ele, gerir aquela empresa não era um trabalho na
verdadeira aceção da palavra, era mesmo uma paixão, vivida intensamente na
“onda” deste arriscado negócio. Essa entrega desmedida era visível nos bons
momentos, quando se inebriava pelo reconhecimento que era atribuído à empresa pelos
serviços que emprestava ao Grupo Central
dos Açores, e, também, nos momentos de enorme sofrimento, como foi o caso
daquele fatídico dia. Era nesses momentos difíceis que consumia cigarros atrás
de cigarros, como que para aliviar a tensão provocada pelas inúmeras
preocupações que o iam consumindo.
Na qualidade de gerente, foi
decisor nas diversas tentativas de fusão de pequenas empresas congéneres. A
recusa em aderir a essas propostas esteve sempre ligada ao facto dos
Transportes Marítimos Graciosenses poderem vir a perder peso na estrutura
acionista e ser previsível a deslocalização da sede da futura empresa da sua
tão amada Graciosa para outra ilha qualquer.
Esteve envolvido na elaboração de
um projeto para a construção de uma nova e moderna embarcação, que chegou a
apresentar e a discutir em várias assembleias gerais da empresa. As
vicissitudes da vida desta empresa levaram-na noutro sentido. Em setembro de
1992, alguns anos depois da morte do senhor Francisco, o velhinho Espírito
Santo, embora abrigado no interior do porto da Praia da Vitória, não conseguiu
resistir às tempestades Boney e Charlie, que assolaram a Região quase em
simultâneo, acabando por naufragar, desta vez de forma irremediável. Aqui, a
empresa, devido à urgência que o caso implicava, optou por adquirir um barco de
ferro na Noruega que tomou o seu lugar e, inclusivamente, o seu nome.
O senhor Francisco da Cunha foi
também proprietário de um forno que, de um modo artesanal, fabricava telha
regional que era vendida localmente e ainda exportada para outras ilhas do
Grupo Central. Naquele tempo esta indústria tinha um peso importante na
economia da Ilha Graciosa.
Trabalhou alguns anos na Santa
Casa da Misericórdia da Vila da Praia da Graciosa. Depois ingressou na
Conservatória do Registo Civil e Notariado de Santa Cruz da Graciosa, onde
trabalhou até ao dia da sua morte.
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