25 de dezembro de 2014

Sonho de Natal

Naquele tempo os comerciantes puxavam pela imaginação para aumentarem as vendas. Criavam um serviço de distribuição de prendas, lideradas por um Pai Natal vestido a rigor, instalado num Ford ou num Opel, em substituição dos trenós, coadjuvado por um condutor que normalmente era o dono da loja.

Cumprida a obrigação da Missa do Galo ali estava eu, com o nariz esborrachado na vidraça embaciada pelo respirar ofegante provocado pela emoção do momento, à espera do Pai Natal.

Via-os passar para cima e para baixo e perguntava-me por que raio não paravam na minha casa. Assolava-me a dúvida se o meu comportamento teria alguma coisa a ver com essa postura do Pai Natal, ignorando os esclarecimentos avisados da minha mãe que me tentava acalmar dizendo que o Pai Natal não podia parar em todas as casas ao mesmo tempo, explicação que eu me esforçava por acreditar que fosse verdade.

Era madrugada. Já tinha desistido da janela. Recostado no sofá, dividindo o tempo entre contemplar o piscar das lâmpadas coloridas que contornavam uniformemente a árvore e umas rápidas passagens pelas brasas, ouvi o carro parar à frente da minha casa e daí a pouco era a campainha a sinalizar a visita do Pai Natal.

Por entre algumas frases que a ocasião proporciona, o Pai Natal dobrou-se e do fundo do seu saco encarnado retirou dois embrulhos que me eram destinados. As pulsações aumentavam tal a ansiedade.

Abri o primeiro dos presentes. Dois pares de meias e duas cuecas. Abri o segundo, muito mais apreensivo. Era uma bola de futebol, muito diferente das bolas de plástico que eu e os meus amigos havíamos recebido no ano anterior. O seu cheiro fazia-me pensar que era de muito melhor qualidade, parecia borracha e tinha uma válvula para ajustar a sua pressão. Era uma bola e tanto… Nunca tinha tido uma igual.

No dia seguinte dei a volta pelas casas dos meus amigos, orgulhoso e de bola debaixo do braço ia distribuindo convites verbais para uma futebolada na Avenida.

A Avenida tinha uma particularidade ideal para este tipo de brincadeiras. Até ao Hospital ainda havia algum movimento, mas a partir da casa dos magistrados apenas passava o senhor Mário, com o camião Scania da Junta Geral, ou o senhor Luís Coelho para o Rádio Farol. Como estávamos perante um dia feriado apenas podíamos ter algum movimento para o Rádio Farol.

Na hora marcada, lá estávamos nós. Depois de divididas as equipas começaram as hostilidades. O jogo era intenso e exigia de nós muita atenção. As balizas eram marcadas com pedras e o meio do campo era calculado a olho.

Entusiasmados com o decorrer do jogo e embrenhados na missão de marcar mais golos que o nosso adversário, não reparamos na aproximação de um polícia que, numa missão destinada a manter a ordem pública, interrompeu o jogo e apreendeu a minha preciosa bola.

De lágrimas nos olhos vi o agente da autoridade, com um ar malicioso, afastar-se com a bola que o Pai Natal me havia presenteado horas antes.

Por entre a raiva e a incompreensão por tal zeloso ato, vi, deste modo, ser destruído um sonho de criança.

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