20 de junho de 2012

Sempre pronto para ajudar

Cristovão Eduardo da Paz Martins
 (30/12/1959 - 12/11/2004)
Perante a necessidade de lavrar e endireitar a terra do meu pequeno quintal desde logo recebi da parte do meu amigo Diogo e do seu cunhado Valentim a disponibilidade para me ajudarem nesta tarefa. Lembrei, na altura, a existência de um tubo de gás subterrâneo, que, a partir do outro lado do quintal, alimentava o esquentador e o fogão montados na cozinha. Este alerta, no dizer do Diogo, exigia a minha presença na altura dos trabalhos para indicar o local preciso, para aí procederem de modo a preservar esse imprescindível tubo.

No dia e na hora combinadas lá estavam os dois, com o respetivo trator. Iniciaram-se as manobras e eu, entusiasmado pelo modo como aquilo estava a decorrer, nunca mais me lembrei do malfadado tubo de gás. Escusado será dizer que o desastre aconteceu. De repente, atrás do trator, surgem da terra duas pontas de tubo de cobre, uma delas derramando abundantemente o combustível a partir da botija ligada na extremidade desta canalização. Foi preciso agir rapidamente e fechar o gás para evitar outro tipo de danos.

Depois do trabalho concluído e ante o cenário de não ter fogão nem esquentador nos próximos dias e sem saber a quem recorrer para resolver esta situação, lá fomos nós matar a sede ao Rivoli, a escassos metros da minha casa.

Atrás do balcão estava, como estava quase sempre, o loiro Cristovão, no seu inconfundível estilo de lobo-do-mar, com barba farta e já com alguma falta de cabelo.

Apercebendo-se do meu desalento logo o Cristovão quis saber o que se tinha passado. Ainda a remoer toda a culpa que só a mim cabia, lá consegui explicar a embrulhada em que me tinha metido. A resposta não tardou. Deu-me indicações para desligar a garrafa de gás e deixar os tubos a arejar durante vinte e quatro horas, dando a conhecer que ele próprio iria lá resolver a situação. De facto no dia seguinte lá surgiu o Cristovão, no lote contiguo à minha casa, a bordo do seu Citroen Mehari amarelo, com uma caixa de ferramentas e outros equipamentos. Soldou os tubos, testou a canalização e enterrou-a tal com estava antes do acidente. Depois do serviço feito e perante a pergunta sobre o custo do seu trabalho, o Cristovão respondeu: “- Depois pagas um copo lá no café”.

Esta resposta diz muito sobre a personalidade deste homem. Estava sempre pronto para ajudar, todos e em tudo. Era uma pessoa desenrascada e, nessa qualidade, resolvia qualquer coisa, literalmente. Para ele não havia impossível.

O Cristovão era natural da vizinha ilha de S. Jorge, mas era da Graciosa que gostava de estar e de viver, como afirmava frequentemente aos amigos.

Lembro-me de ver o Cristovão construir o seu Rivoli. Quando subia a Avenida Mouzinho de Albuquerque, em direção a casa, entrava naquelas obras, observava a evolução dos trabalhos e via o entusiasmo que o Cristovão e a Rosa emprestavam a este seu projeto.

O Rivoli era muito pequeno. A entrada dava para o corpo principal, em forma de L. À esquerda tinha um exíguo reservado, ao fundo, por trás do pequeno balcão, situava-se a cozinha. As casas de banho ficavam ao lado do balcão. O estabelecimento era forrado a madeira o que, em conjunto com a ténue iluminação, dava um ambiente acolhedor.

Abriu ao público em plenas Festas de Santo Cristo, em agosto de 1995. Atingiu tamanho sucesso que o obrigou, apenas alguns dias depois, a interromper a atividade, tendo, para o efeito, colocado na porta um elucidativo cartaz dizendo “Encerrado para organização”.

Por aquele estabelecimento passaram alunos, professores, equipas desportivas, turistas, funcionários deslocados, emigrantes e muitos, muitos Graciosenses.

Graças ao esforço e dedicação dos seus donos, o Rivoli foi sala de estar, cantina e clube de festas de muita gente. Eram frequentes a festas temáticas, acabando algumas em ambiente de baile, depois de removido o respetivo mobiliário. Era lá que muitos jovens festejavam os seus aniversários. Fidelizou muitos clientes, apesar da exiguidade daquele estabelecimento. O que faltava em espaço restava em simpatia.

Era impressionante a rapidez com que faziam uma nova decoração, por exemplo, para o São Martinho ou o Dia das Bruxas. E sempre decorações que surpreendiam. Depois das refeições viam-se, por cima das mesas, tecidos, papéis, balões e outros adereços, a serem preparados por clientes e amigos, sob a supervisão da Rosa e a complacência do Cristovão, para serem colocados nos respetivos lugares, sempre com o objetivo de criar um ambiente que agradasse às pessoas. Esse objetivo era sempre atingido, invariavelmente.

O Cristovão cultivava a amizade, sobretudo dos seus clientes. Era paciente com todos e sempre muito prestável. Fazia de cada cliente um amigo para a vida. Em várias situações, quando já se encontrava vencido pelo cansaço, deixava a chave e a responsabilidade da registadora ao cuidado de um amigo e retirava-se para casa, para um merecido descanso.

O Cristovão fez outras coisas na vida. Foi o representante dos produtos Olá para toda a ilha, em 2002 explorou o bar do Clube Naval e a discoteca Vila Sacramento no ano seguinte. Foi ainda funcionário da Casa Araújo. Nos seus tempos livres dedicava-se ao mar, onde gostava de estar. Viajava com frequência no seu barco, acompanhado por amigos, entre as ilhas do grupo central.

É, no entanto, no seu e nosso Rivoli que se destacou mais, revelando aí qualidades humanas que tocaram fundo no coração dos seus amigos quando tomaram conhecimento da sua inesperada partida.

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