Cristovão Eduardo da Paz
Martins
(30/12/1959 - 12/11/2004)
Perante a necessidade de lavrar e
endireitar a terra do meu pequeno quintal desde logo recebi da parte do meu
amigo Diogo e do seu cunhado Valentim a disponibilidade para me ajudarem nesta tarefa.
Lembrei, na altura, a existência de um tubo de gás subterrâneo, que, a partir
do outro lado do quintal, alimentava o esquentador e o fogão montados na
cozinha. Este alerta, no dizer do Diogo, exigia a minha presença na altura dos
trabalhos para indicar o local preciso, para aí procederem de modo a preservar
esse imprescindível tubo.
No dia e na hora combinadas lá
estavam os dois, com o respetivo trator. Iniciaram-se as manobras e eu,
entusiasmado pelo modo como aquilo estava a decorrer, nunca mais me lembrei do
malfadado tubo de gás. Escusado será dizer que o desastre aconteceu. De repente,
atrás do trator, surgem da terra duas pontas de tubo de cobre, uma delas
derramando abundantemente o combustível a partir da botija ligada na
extremidade desta canalização. Foi preciso agir rapidamente e fechar o gás para
evitar outro tipo de danos.
Depois do trabalho concluído e
ante o cenário de não ter fogão nem esquentador nos próximos dias e sem saber a
quem recorrer para resolver esta situação, lá fomos nós matar a sede ao Rivoli,
a escassos metros da minha casa.
Atrás do balcão estava, como estava
quase sempre, o loiro Cristovão, no seu inconfundível estilo de lobo-do-mar,
com barba farta e já com alguma falta de cabelo.
Apercebendo-se do meu desalento
logo o Cristovão quis saber o que se tinha passado. Ainda a remoer toda a culpa
que só a mim cabia, lá consegui explicar a embrulhada em que me tinha metido. A
resposta não tardou. Deu-me indicações para desligar a garrafa de gás e deixar
os tubos a arejar durante vinte e quatro horas, dando a conhecer que ele próprio
iria lá resolver a situação. De facto no dia seguinte lá surgiu o Cristovão, no
lote contiguo à minha casa, a bordo do seu Citroen Mehari amarelo, com uma
caixa de ferramentas e outros equipamentos. Soldou os tubos, testou a
canalização e enterrou-a tal com estava antes do acidente. Depois do serviço
feito e perante a pergunta sobre o custo do seu trabalho, o Cristovão
respondeu: “- Depois pagas um copo lá no café”.
Esta resposta diz muito sobre a personalidade
deste homem. Estava sempre pronto para ajudar, todos e em tudo. Era uma pessoa
desenrascada e, nessa qualidade, resolvia qualquer coisa, literalmente. Para
ele não havia impossível.
O Cristovão era natural da
vizinha ilha de S. Jorge, mas era da Graciosa que gostava de estar e de viver,
como afirmava frequentemente aos amigos.
Lembro-me de ver o Cristovão
construir o seu Rivoli. Quando subia a Avenida Mouzinho de Albuquerque, em
direção a casa, entrava naquelas obras, observava a evolução dos trabalhos e
via o entusiasmo que o Cristovão e a Rosa emprestavam a este seu projeto.
O Rivoli era muito pequeno. A
entrada dava para o corpo principal, em forma de L. À esquerda tinha um exíguo reservado,
ao fundo, por trás do pequeno balcão, situava-se a cozinha. As casas de banho
ficavam ao lado do balcão. O estabelecimento era forrado a madeira o que, em
conjunto com a ténue iluminação, dava um ambiente acolhedor.
Abriu ao público em plenas Festas
de Santo Cristo, em agosto de 1995. Atingiu tamanho sucesso que o obrigou,
apenas alguns dias depois, a interromper a atividade, tendo, para o efeito, colocado
na porta um elucidativo cartaz dizendo “Encerrado para organização”.
Por aquele estabelecimento
passaram alunos, professores, equipas desportivas, turistas, funcionários
deslocados, emigrantes e muitos, muitos Graciosenses.
Graças ao esforço e dedicação dos
seus donos, o Rivoli foi sala de estar, cantina e clube de festas de muita
gente. Eram frequentes a festas temáticas, acabando algumas em ambiente de
baile, depois de removido o respetivo mobiliário. Era lá que muitos jovens
festejavam os seus aniversários. Fidelizou muitos clientes, apesar da
exiguidade daquele estabelecimento. O que faltava em espaço restava em
simpatia.
Era impressionante a rapidez com
que faziam uma nova decoração, por exemplo, para o São Martinho ou o Dia das
Bruxas. E sempre decorações que surpreendiam. Depois das refeições viam-se, por
cima das mesas, tecidos, papéis, balões e outros adereços, a serem preparados
por clientes e amigos, sob a supervisão da Rosa e a complacência do Cristovão,
para serem colocados nos respetivos lugares, sempre com o objetivo de criar um
ambiente que agradasse às pessoas. Esse objetivo era sempre atingido,
invariavelmente.
O Cristovão cultivava a amizade,
sobretudo dos seus clientes. Era paciente com todos e sempre muito prestável.
Fazia de cada cliente um amigo para a vida. Em várias situações, quando já se
encontrava vencido pelo cansaço, deixava a chave e a responsabilidade da registadora
ao cuidado de um amigo e retirava-se para casa, para um merecido descanso.
O Cristovão fez outras coisas na
vida. Foi o representante dos produtos Olá para toda a ilha, em 2002 explorou o
bar do Clube Naval e a discoteca Vila Sacramento no ano seguinte. Foi ainda funcionário
da Casa Araújo. Nos seus tempos livres dedicava-se ao mar, onde gostava de
estar. Viajava com frequência no seu barco, acompanhado por amigos, entre as
ilhas do grupo central.
É, no entanto, no seu e nosso Rivoli
que se destacou mais, revelando aí qualidades humanas que tocaram fundo no
coração dos seus amigos quando tomaram conhecimento da sua inesperada partida.
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