8 de novembro de 2014

Os 75 anos do Graciosa Futebol Clube

Quando a Direção Graciosa Futebol Clube me convidou para proferir algumas palavras a propósito da passagem dos 75 anos do clube não pude recusar.

Como é tradicional nestes dias de festa, podia optar por mencionar a história do Graciosa, referir os feitos desportivos e sociais, enfim, lembrar o que de bom se passou neste clube.

Preferi ir por outro caminho, revelar o que a minha geração vivenciou nesta casa ao longo dos últimos anos.

A missa das 11, o almoço em família e a ida ao jogo a meio da tarde faziam parte dos hábitos das famílias aos Domingos.

Crianças, jovens e adultos, engalanados pelos fatos domingueiros, juntavam-se nas imediações do Graciosa e, em cortejo, dirigiam-se para o Campo Grande, do Graciosa, pela canada do moinho do Chico Bala.

Esse percurso era marcado pela ruido do calcorrear das botas de futebol de travessas e os jogadores eram brindados com palavras de incentivo.   

Já no campo, por entre brincadeiras próprias da idade, trocas de olhar com as moças, uma malagueta doce ou um saco de pipocas, lá íamos observando o jogo onde nos habituámos a ver classe do Manuel Maria, a imponência do Gaspar, a destreza do Valter, o passo miudinho do Serra, o calculismo do Ilberto, a ratice do Reizinho e os voos acrobáticos do António Pires. Nessa altura já despertara para o Futebol um grande senhor desta arte: o Fernando Mesquita que foi um jogador notável e que atravessou várias gerações.

Eram estes, e os outros, os heróis da nossa infância. Aprendemos, desde cedo, a admirar os golos e outros feitos destes homens que de uma forma abnegada vestiam o equipamento amarelo e branco (às vezes amarelo e vermelho) e davam tudo pelo seu clube.

Mais tarde, já grandotes - mas não o suficiente para poder ombrear com a geração que veio a seguir - eu, o Rui Jorge, o Jorginho e o Adriano, entre outros - iniciamos a nossa carreira de futebolistas, digamos assim, indo, dias a fio, para os treinos e, quando restava uma das únicas duas bolas de couro, duras como uma rocha, lá tínhamos a oportunidade de treinar, ou melhor, de brincar.

Lembro-me de me equipar, pela primeira vez, de camisa amarela e calção verde. Foi uma alegria que ficou registada em fotografia que ainda guardo comigo.

Naquele tempo não havia escalões de formação. Quando o corpo despontava lá se integrava o jovem na equipa. Era uma passagem repentina de criança para jovem/adulto. Esta realidade não nos amolecia. Antes pelo contrário, dava-nos estaleca, como se diz na gíria.

Mais tarde surgiu uma geração de ouro no Graciosa Futebol Clube: o Serafim, jogador muto tecnicista; o Gasparinho, defesa seguro e um bom organizador de jogo; o Marcelo, guarda-redes que dava espetáculo com as suas defesas; o João Carlos, com excelente técnica, uma capacidade física acima da média e competência na leitura de jogo; o Elvino, defesa implacável; o António, avançado rápido e com um forte pé esquerdo, juntamente com o Mesquita, um colocador de bolas como não se vê por aí, formavam uma equipa de sonho.

Qualquer um destes atletas poderia ter ido longe em clubes de maior prestígio, não fora esta fronteira marítima que nos rodeia a quartar essa possibilidade. O João Carlos ainda fez um excelente percurso no Santa Clara, onde ainda hoje é recordado.

É nesta altura que surgem os terceirenses José do Reis, Carlinhos e João Gabriel. Ajudavam o clube no período de verão mas, sobretudo, transmitiam aos locais outros hábitos, nomeadamente de treino. 

Acompanharam a equipa aos Estados Unidos e Canadá em 1976, levando um enorme valor acrescentado na apresentação do nosso clube perante os adeptos naqueles países de acolhimento.

Entretanto já jogam o Luís Sousa (Extremo), o José Leite, o João Sousa (Canzil), o José Carlos (Canário). De seguida sou eu a entrar (Zé Boeta), o Rui Jorge, o José Luís Veiga (Burreca), o Henrique, o Hélio Picanço, etc..

Mais tarde surgem o Carlos Alberto, o Fernando Rui Santos, o João Picanço (cabaço), o Rui Picanço (carcereiro), o Moisés, o João Luís (Rufino), o Hélio Gil, o Artur, entre outros.

Nesse tempo os treinos eram poucos, mas a vontade de treinar era muita. Lembro-me, como se fosse hoje, um grupinho de jogadores insistia em treinar, tipo auto treino, umas vezes no campo de futebol outras vezes em corridas até ao farol da Ponta da Barca, numa estrada ainda em terra batida.

Fizesse sol ou chuva, lá estávamos nós para cumprir com aquilo que julgávamos ser a nossa obrigação enquanto atletas.

É nessa época que se iniciam as provas associativas e as viagens. Eram grandes aventuras que traziam sempre histórias que davam para tema de conversa durante meses. Ainda hoje oiço algumas que, apesar de repetidas, tem sempre piada e fazem aparecer outras que eram menos conhecidas.

Se há coisas de que arrependo é a de ter sido expulso num jogo por mau comportamento em que o Professor Manuel era o árbitro.

Tenho também remorsos por ter marcado 2 autogolos ao Carlos Alberto, num jogo com o Marítimo em que perdemos por 4-2. O Carlos ficou 2 semanas sem me falar nos treinos por tamanha desfaçatez.

Um foi um tiro, ele não tinha hipóteses, mas o segundo foi um frango, dizia-lhe eu na altura.

E ainda tenho arrepios ao pensar que participei num assalto à lata da linguiça do João Sousa na Praia da Vitória e fico com calafrios quando me lembro da Ana a procurar as ditas linguiças e a encontrar apenas pedras entre a gordura, habilmente colocadas pelos ladrões. Nesse dia não houve almoço.

O Graciosa faz um excelente percurso nas provas locais e, por muitas vezes representa a Graciosa em S. Jorge e na Terceira.

Até 2003 conquistou 13 Taças de ilha, 6 Campeonatos e 7 Torneios de Abertura.

Vai a duas finais da Taça Açores e por duas vezes representa a Associação de Futebol de Angra do Heroísmo na Taça de Portugal.

Nos escalões de formação é o clube com mais troféus, fruto de um grande trabalho iniciado pelo Professor Manuel Mendonça e prosseguido pelo Pedro Gil.

Mas o Graciosa não é só futebol. É também música.

A minha geração assistiu ao nascimento do Ritmo 2000, conjunto adquirido no Pico através do Padre Garcia. Essa geração aprendeu mesmo a dançar ao ritmo das marchas e dos slows cantados pela Bieta, pelo Chico Lobão ou pelo Gasparinho.

Este conjunto, que incluía também o Emanuel, o Acácio e o Valdemiro, foi sofrendo transformações ao longo dos anos e por ele passaram o Viegas, o Manuel José, o Manuel Maria, o Valdemar, o Francisco Ávila, o José Silva, o Steven, o Valter Rui, o Helder, o Pedro Coelho, o Nuno Bettencourt, a Edite, a Daniela, o Sérgio e muitos outros.

Este grupo animou inúmeros bailes e festas do clube ao longo destes anos. Muitos filhos desta geração que vos falo adormeceram ao som dos acordes melodiosos enquanto os seus pais davam ao pé na sala minúscula da casa da D. Carolina Maria, e, depois, já neste enorme salão.

Esta gente também animava tertúlias que acabavam, quase sempre, com o inevitável “solo mio” cantado, quase solenemente, pelo Serra.

Gravaram dois discos, o que não era muito normal nos conjuntos musicais daquele tempo.

Estas mulheres e estes homens, que abdicavam de muita coisa para animarem os outros, não eram devidamente compreendidos, segundo a sua perspetiva.

Começar a tocar e a cantar num baile pelas 10 horas da noite e acabar quando o sol nascia, era um esforço quase sobre-humano. E isto sem nada em troca.

Já fiz um desafio ao Valdemiro para reunir todos os músicos que passaram pelo Ritmo 2000 para prepararem um concerto.

Nos anos 80 houve um grupo de sócios, liderados pelo Valter Melo, Ilberto Pereira e João Manuel Picanço, que resolveram deitar mão à obra e construir esta sede. Não deve ter sido uma decisão fácil de assumir, mas naquele tempo existia espírito empreendedor e tenacidade capazes de ultrapassar as dificuldades.

Quem conheceu a anterior sede sabe que a equipa de futebol não tinha condições. Os duches de água fria ficavam mesmo na entrada do Clube e a água era esgotada para a estrada.

Tínhamos bons bailes e belas festas onde os sócios e convidados eram bem recebidos, mas as condições eram de facto muito más, daí termos de reconhecer que a construção desta nova sede foi o momento mais marcante destes primeiros 75 anos de vida do Graciosa Futebol Clube.

Hoje, ao olhar para trás, revejo os dirigentes, treinadores, atletas e músicos e penso no quanto nós aprendemos com eles. Em troca de nada deram muito para que este clube nunca interrompesse este percurso de vida que hoje completa 75 anos.

São 75 anos divididos entre derrotas e vitórias, entre tristezas e alegrias, mas sempre marcado por um convívio fraterno.

É por isso que se diz: o Graciosa não é melhor nem pior. É diferente.

Neste dia de festa é também importante recordar todos os que serviram o clube, de um modo ou de outro, nestes 75 anos.

No entanto, vou lembrar alguns que já partiram e que a minha geração nunca esquecerá:

O Gasparinho, Marcelo Cunha, João Luís Serra, Valter Melo, Rui Picanço (carcereiro), Berto Freitas, João Picanço (cabaço), João Gabriel, Eusébio Ferreira, Filipe Albuquerque, Helmano, Vasco Weber Vasconcelos, Arnaldo Nascimento, Luiz do Carmo Bettencourt, Manuel Gil, Ruben Cardoso e Valdemar Clarimundo, um dos organizadores das bodas de ouro, há 25 anos atrás.

Em termos pessoais tenho uma dívida de gratidão para com este clube. Foi aqui que aprendi a jogar futebol; foi aqui que aprendi a ser dirigente e foi aqui que aprendi a ser treinador. Foi aqui que entendi o que é espírito de grupo e respeito pelo próximo.

Termino, dizendo-vos:

Ó Graciosa,
Astro rei iluminante,
Tens fama airosa,
Nos Açores, teu jogar.
Mas se algum dia,
A virgem te proteger,
Serás um dia,
Quer de noite ou quer de dia,
E deixarás de sofrer.


Graciosa Futebol Clube, 1 de Novembro de 2014.

1 comentário:

blogas disse...

Todos sabem que o meu clube na Graciosa, cujas balizas defendi com pouco saber mas muita garra, é o Guadalupe. No entanto, no Graciosa (como no Marítimo)sempre me senti em casa e muitos dos que referes aqui muito contrubuiram, com a sua amizade, para que assim fosse.
Parabéns duplos: pelo 75º aniversário do Graciosa e pelo belo texto.