Diógenes da Silva
Lima
(04/12/1920 – 19/02/1988)
Em casa preparava-se mais um
fim-de-semana na Praia. Era um ritual que levava o seu tempo, pois a viagem era
grande. Apesar de serem apenas seis quilómetros de distância, aquela viagem
parecia longa.
Com os poucos carros que
circulavam na ilha, os transportes coletivos e de cargas assumiam um papel
preponderante na movimentação de pessoas e bens entre as quatro freguesias da
Graciosa. As festas da ilha obrigavam a vários desdobramentos até levar a casa
os últimos passageiros. No período do Carnaval estas camionetas faziam as
visitas aos clubes e ainda transportavam os resistentes folgazões que, depois
do último baile deste período e já quando nascia um novo dia, davam um passeio
pela ilha. Existiam também algumas indústrias, tais como a cal, a telha e os
refrigerantes que requeriam transporte para a distribuição e exportação.
Fomos até à garagem e oficina do
senhor Diógenes, no Atalho, e esperámos pela hora de nos abrirem as portas da
gasta camioneta que nos haveria de levar nesta viagem. Tinha o motor na frente
e um capô de abrir para os lados. O corpo da camioneta desenvolvia-se para traz
do motor, o que lhe dava um ar de tartaruga, nome pela qual era popularmente conhecido
este meio de transporte. A lentidão poderia muito bem ser outra explicação para
esta alcunha. Os passageiros entraram e o condutor, com a ajuda do cobrador,
colocou no tejadilho várias encomendas e a mala do correio, que haveriam de ser
distribuídas pelos destinatários ao longo dos caminhos da ilha.
Compramos o respetivo bilhete, de
cor verde e encimado pelo nome de Diógenes da Silva Lima & Filhos Limitada,
cortado, com uma pequena régua de alumínio, numa diagonal até à indicação do
preço. Três escudos e cinquenta centavos era o custo desta viagem. Já com a
camioneta em andamento, vinha o cobrador, sempre com a sua mala de cabedal a
tiracolo, com uma espécie de alicate, fazer um furo no lugar correspondente ao
percurso.
A viagem começava com piso
razoável, mas grande parte do percurso ainda era feito em estrada de macadame. O
caminho do Quitadouro, em direção à Praia, começava logo com uma grande subida,
mas, mais ao menos a partir de meia viagem, no Formigueiro, havia uma descida
abrupta, o que levava o condutor a redobrar os cuidados para levar os seus
passageiros ao destino em segurança. A nossa tartaruga, de um modo esforçado,
lá conseguia dar conta do recado, e completava assim mais um percurso, que
terminava numa outra garagem, na Rua Rodrigues Sampaio, na Praia, onde o
condutor, com o seu olhar clínico ditado pela experiência, via os níveis de
óleo e de água e tratava de a pôr operacional para fazer mais uma viagem.
O senhor Diógenes a 22 de outubro
de 1941 adquire, por dezasseis contos, o negócio de fazendas e mercearias, com
sede na Rua Fontes Pereira de Melo, na Praia, filial da firma Costa e Medina
Limitada, para o qual trabalhava desde 1936.
Quando tinha 18 anos constrói o
seu primeiro autocarro, uma miniatura em madeira. Mal sabia ele que a sua vida
empresarial estaria ligada aos transportes coletivos até ao dia da sua morte.
Em 16 de junho de 1948 recebe o seu
primeiro táxi, um Austin. A 2 de agosto do ano seguinte recebe outro táxi,
também daquela marca. A 29 de janeiro de 1951 recebe mais um táxi, também
Austin e a 30 de março de 1954 recebe a quarta viatura para serviço de aluguer
com condutor.
Em 1954 compra um chassis de um
autocarro e trá-lo até à Graciosa no navio Lima. É colocado num batelão em
Santa Cruz, mas devido à fraca capacidade do pau de carga do porto, esse
batelão é rebocado por uma “gasolina” baleeira até à Praia, onde finalmente é
descarregado para terra firme. A carroçaria é feita na Graciosa pelos irmãos João
e Manuel Machado, em madeira e forrada posteriormente a alumínio. Até os
estofes eram feitos cá. Esta opção pela importação de chassis tinha a ver com a
inexistência de meios para descarregar um autocarro completo.
Na altura a empresa tinha a sede
na Praia. A primeira viagem desta camioneta dá-se a 23 de outubro de 1954, um
sábado, fazendo um percurso de 52 quilómetros e realizando uma receita de
614$50.
As frequências foram aumentando,
até que a partir de 9 de dezembro de 1957 passa a haver carreiras diárias.
A 24 de dezembro de 1955 recebe
mais dois chassis que foram novamente carroçados pelos irmãos Machado, um
destinado a carga e outro a passageiros. Curiosamente estes chassis saíram de
Lisboa no navio Terceirense, a 20 de novembro, mas não puderam desembarcar
devido ao mau estado do mar. Foram até Ponta Delgada e voltaram, desta vez no
navio Lima, tendo desembarcado nesta ilha na véspera de Natal daquele ano.
Em 1958 a sede passa para Santa
Cruz. Em 1968 dá-se uma alteração estatutária, passando a empresa a designar-se
Diógenes da Silva Lima e Filhos Limitada.
Enquanto vai desenvolvendo a sua
atividade nos transportes coletivos continua a investir nos táxis, chegando a
ter 10 em circulação, espalhados pelas praças das quatro freguesias. Este
negócio, no entanto, é abandonado a seguir à revolução de 1974. Mais tarde
termina também com o serviço de transporte de mercadorias.
Em 1980 transforma-se em Empresa
de Transportes Coletivos da Ilha Graciosa, já com a participação da Câmara
Municipal de Santa Cruz da Graciosa no capital social.
A vida deste empresário não foi
fácil. O recurso ao crédito e as dificuldades próprias da época, que desfasavam
o período do investimento do período do respetivo retorno, podiam afastar deste
tipo de negócio os menos afoitos, mas não o senhor Diógenes. Nunca se deu por
vencido e empenhou-se de corpo e alma neste seu projeto, que acabou mesmo por
ser o seu projeto de vida, enfrentando e minimizando todas as contrariedades
que surgiram.
As dificuldades nos transportes destes
equipamentos de grande dimensão eram resolvidas com imaginação. Se um batelão
não chegasse, juntava-se um outro e colocavam-se alguns postes de telefone,
atravessados, para dar mais consistência e equilíbrio a este meio de transporte
adaptado. A falta de peças suplentes era resolvida com muito trabalho.
Frequentemente as suas oficinas trabalhavam ininterruptamente, por vezes
inventando peças, para colocar o autocarro ao serviço logo pela manhã. São
conhecidas histórias de reparações feitas mesmo durante as viagens ou mudanças
de motor durante a noite para que no dia seguinte não faltasse transporte a
muitos Graciosenses que dele dependiam.
O senhor Diógenes foi um
empresário que teve uma vida de trabalho duro e de muita dedicação ao seu
negócio, que não lhe terá rendido muito em termos financeiros, mas certamente
que o preencheu. Podíamos vê-lo agarrado ao volante de uma das suas camionetas
a conduzir horas a fio, a supervisionar a sua oficina ou a vender bilhetes no
seu guichet. Era um homem que nunca parava.
Nos seus tempos livres gostava de
tocar violão e dançar modas de viola nas festas de Carnaval que aconteciam nos
clubes espalhados pela ilha.
A ousadia, a tenacidade e a
coragem com que tratou os seus negócios fazem dele um empresário que se
destacou na Ilha Graciosa e que importa recordar.
1 comentário:
Muito bom. Lembro-me bem da parte final!
Fernando Alvarino
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