4 de julho de 2013

Nunca me senti preso na ilha


Foi aqui na Ilha Graciosa que dei os primeiros passos. Foi aqui que rasguei a pele em brincadeiras de crianças felizes, que sarei feridas lambidas pelo tempo e que fiz amigos para a vida. Foi aqui que aprendi a ler, a escrever e a contar. Foi aqui que aprendi a respeitar.

Nunca me senti preso na ilha. O isolamento que a insularidade e a fúria do tempo por vezes nos impingem nunca foi uma fatalidade incontornável. A ilha, se calhar, ganhou alguma coisa com isso. Enriqueceu-se em termos culturais, moldou-se às dificuldades e manteve a sua natureza intocável.

A Graciosa foi o porto de partida e de chegada quando, ainda criança, tive de sair. Voltei sempre e cada vez que voltava mais gostava das vistas do Monte da Ajuda e da Senhora da Saúde, com as vilas a seus pés, de apreciar o Carapacho e a Beira Mar da Luz, lugares prazenteiros, de admirar a bela planície do Guadalupe e os vinhedos da Vitória, que tanta riqueza geraram.

Nesses regressos gostava de rever amigos, jogar à bola em S. Francisco, ou à barra na Praça, ao rato de sociedade ou ao quartel-general pelas ruas de Santa Cruz. Retomava os cheiros, ia à mercearia do senhor Juvenal Martins ou à barraca do senhor Manuel Augusto, onde se comprava fiado. Mergulhava nas águas límpidas da Fonte da Areia, das Fontinhas ou do Boqueirão. Requisitava livros na biblioteca itinerante para os ler a fio noite fora à luz de uma vela.

As coisas mudaram. Hoje já ninguém lê à luz de uma vela ou tem de sair com 11 ou 12 anos para estudar. Hoje os jovens saem com o 12º ano para as universidades, muito mais maduros e autónomos.

Hoje sai-se de avião, joga-se com uma consola, lê-se no Ipad e tiram-se dúvidas no Google. Hoje quando se quer “matar” saudades liga-se o telemóvel, o Skype ou o Facebook.

Tudo mudou, mudaram o mundo, Portugal, os Açores e a Graciosa. A Revolução de Abril de 1974 abriu as portas à Autonomia dos Açores e esta, por sua vez, tratou de colocar todas as ilhas no mesmo patamar. A revolução tecnológica fez o resto.

Em 2004 iniciei a minha atividade no mundo da política. Foi com muita honra que aceitei o encargo, nem sempre fácil, de defender os Açores e a Ilha Graciosa, o meu círculo eleitoral. Numa ilha pequena, onde todos se conhecem, o exercício de um cargo público reveste-se de outra dimensão, a proximidade entre o eleito e o eleitor que acarreta outras responsabilidades e impõe uma ação mais exigente.  

Durante estes anos tive a felicidade de assistir à fase de maior investimento de sempre nesta ilha.

O sector primário foi reestruturado profundamente. As condições criadas, nomeadamente com a construção da nova fábrica de lacticínios, do porto de pescas com respetivos equipamentos de apoio, aliados ao redimensionamento das explorações agrícolas e à renovação da frota pesqueira, possibilitaram o rejuvenescimento e a profissionalização destas classes, fatores que deram um novo impulso à economia da ilha.

Por outro lado, o Governo dos Açores avançou com a construção de um centro de apoio ao visitante da Furna do Enxofre, ex-libris desta ilha, e, substituindo a iniciativa privada em investimentos estruturais, construiu um hotel de quatro estrelas dando início, assim, a uma nova atividade económica, o turismo.

A par desta visão de desenvolvimento, que se quer sustentado, foi possível dar uma especial atenção aos assuntos sociais com a inauguração de um novo centro de saúde, a requalificação de um lar de idosos e a construção de um outro lar. O ambiente e os transportes também sofreram transformações importantes.

Não está tudo feito, no entanto foram criadas as bases para se passar a uma nova fase em que o empreendedorismo poderá ajudar a fazer o que resto.

(artigo publicado no jornal digital Mundo Açoriano em 28 de Junho de 2013)

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