A oficina do mestre José
Juventino - com era mais conhecido o senhor José Gil de Ávila, por ter sido esse
o nome de seu pai – ficava ao fundo da rua do Saco. Antes esteve situada na
atual rua 25 de Abril e depois na rua Infante D. Henrique.
Adivinhava-se a sua localização
pelo amontoado de tábuas encostadas às paredes, secando ao sol, para depois
servirem de matéria-prima aos artistas daquela carpintaria e marcenaria, ele e
os seus três filhos, que as transformariam em mobílias, armários, portas,
janelas, mesas, cadeiras, soalhos, vasilhame ou cabos para utensílios agrícolas.
No seu interior, presas nas
paredes ou espalhadas por cima dos bancos de trabalho, existiam várias ferramentas:
serras, sutas, esquadros, maços, serrotes de ponta, serrotes de costas, berbequins
manuais, plainas, martelos, etc.
Por cima do chão, que antes era nu
e frio, acumulavam-se os cavacos de madeira nascidos na ranhura das plainas
que, num vai vem frenético, iam dando forma e sentido à madeira. Durante a
jornada, para não se perder muito tempo, empurravam-se as aparas e os cavacos para
os cantos da tenda, mas no final de cada dia eram queimados mesmo ali do lado
de fora da porta.
No teto viam-se alguns moldes e
várias violas da terra carinhosamente construídas pelo mestre José Juventino. No
início moldava pacientemente a rebelde madeira com que construía as violas com
vapor que saía de panelas com água a ferver. Mais tarde construiu as suas
próprias formas que, no fundo, lhe facilitavam a vida nesta atividade.
Dali saía quase tudo o que fosse
possível moldar. Faziam trabalhos mais toscos, como coberturas de casas, ou
moldes para as obras da Junta Geral, mas era na marcenaria que aquela oficina se
destacava mais. O mestre José Juventino e os seus filhos deixaram nesta ilha,
sobretudo nas casas mais abastadas, mobílias que ainda hoje são muito
apreciadas.
Certo dia encomendaram-lhe um candeeiro
tendo como corpo um fuso igual ao dos lagares. Depois de fazer as suas contas
lá acabou por desenhar um esboço que o ajudaria a concretizar mais uma obra de
arte. Apesar de ter pouca instrução, como era normal no tempo em que se criou,
tinha conhecimentos empíricos de matemática capazes de o ajudarem a resolver
alguns problemas ligados à sua profissão.
Era naquela oficina que vi fazerem
piões que depois comprava para jogar com os meus amigos na escola ou na praça.
Bocados de madeira amorfos iam-se enformando à custa da rotação do torno e da
mão ágil do mestre José Juventino. Foi também nessa carpintaria que vi
construir o meu primeiro carro de ladeira que utilizei em inúmeras brincadeiras
durante vários anos da minha infância.
Dizem aqueles que o conheceram
bem que gostava de fazer duas coisas na vida: trabalhar e tocar viola da terra.
Só era visto de duas formas, ou curvado sobre a sua bancada ou então carregando
a sua viola.
Andava de casa em casa, de clube
em clube, ora tocando nas matanças do porco, ora animando os bailes com as
modas de viola, onde mandava como ninguém. Nesta sua faceta era também muito
bom.
Tinha conhecimentos musicais e
isso dava-lhe mais traquejo e versatilidade para poder acompanhar o acordeão do
José Berto, a voz do Joaquim dos Fados ou o piano da D. Nizalda Barcelos.
Foi músico na centenária
Filarmónica Recreio dos Artistas, onde também desempenhou cargos nos seus
órgãos sociais. O trombone era o seu instrumento na banda que serviu durante
longos anos.
Gostava muito de se juntar com os
amigos em concorridas petiscadas que acabavam, quase sempre, em alegres
cantorias acompanhadas pela sua inseparável viola.
O senhor José Juventino foi um
artista nestas duas artes que foram, sem dúvida, a paixão de uma vida.
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