11 de janeiro de 2013

Mestre da viola



A oficina do mestre José Juventino - com era mais conhecido o senhor José Gil de Ávila, por ter sido esse o nome de seu pai – ficava ao fundo da rua do Saco. Antes esteve situada na atual rua 25 de Abril e depois na rua Infante D. Henrique.

Adivinhava-se a sua localização pelo amontoado de tábuas encostadas às paredes, secando ao sol, para depois servirem de matéria-prima aos artistas daquela carpintaria e marcenaria, ele e os seus três filhos, que as transformariam em mobílias, armários, portas, janelas, mesas, cadeiras, soalhos, vasilhame ou cabos para utensílios agrícolas.

No seu interior, presas nas paredes ou espalhadas por cima dos bancos de trabalho, existiam várias ferramentas: serras, sutas, esquadros, maços, serrotes de ponta, serrotes de costas, berbequins manuais, plainas, martelos, etc.

Por cima do chão, que antes era nu e frio, acumulavam-se os cavacos de madeira nascidos na ranhura das plainas que, num vai vem frenético, iam dando forma e sentido à madeira. Durante a jornada, para não se perder muito tempo, empurravam-se as aparas e os cavacos para os cantos da tenda, mas no final de cada dia eram queimados mesmo ali do lado de fora da porta.

No teto viam-se alguns moldes e várias violas da terra carinhosamente construídas pelo mestre José Juventino. No início moldava pacientemente a rebelde madeira com que construía as violas com vapor que saía de panelas com água a ferver. Mais tarde construiu as suas próprias formas que, no fundo, lhe facilitavam a vida nesta atividade.

Dali saía quase tudo o que fosse possível moldar. Faziam trabalhos mais toscos, como coberturas de casas, ou moldes para as obras da Junta Geral, mas era na marcenaria que aquela oficina se destacava mais. O mestre José Juventino e os seus filhos deixaram nesta ilha, sobretudo nas casas mais abastadas, mobílias que ainda hoje são muito apreciadas.

Certo dia encomendaram-lhe um candeeiro tendo como corpo um fuso igual ao dos lagares. Depois de fazer as suas contas lá acabou por desenhar um esboço que o ajudaria a concretizar mais uma obra de arte. Apesar de ter pouca instrução, como era normal no tempo em que se criou, tinha conhecimentos empíricos de matemática capazes de o ajudarem a resolver alguns problemas ligados à sua profissão.

Era naquela oficina que vi fazerem piões que depois comprava para jogar com os meus amigos na escola ou na praça. Bocados de madeira amorfos iam-se enformando à custa da rotação do torno e da mão ágil do mestre José Juventino. Foi também nessa carpintaria que vi construir o meu primeiro carro de ladeira que utilizei em inúmeras brincadeiras durante vários anos da minha infância.

Dizem aqueles que o conheceram bem que gostava de fazer duas coisas na vida: trabalhar e tocar viola da terra. Só era visto de duas formas, ou curvado sobre a sua bancada ou então carregando a sua viola.

Andava de casa em casa, de clube em clube, ora tocando nas matanças do porco, ora animando os bailes com as modas de viola, onde mandava como ninguém. Nesta sua faceta era também muito bom.

Tinha conhecimentos musicais e isso dava-lhe mais traquejo e versatilidade para poder acompanhar o acordeão do José Berto, a voz do Joaquim dos Fados ou o piano da D. Nizalda Barcelos. 

Foi músico na centenária Filarmónica Recreio dos Artistas, onde também desempenhou cargos nos seus órgãos sociais. O trombone era o seu instrumento na banda que serviu durante longos anos.

Gostava muito de se juntar com os amigos em concorridas petiscadas que acabavam, quase sempre, em alegres cantorias acompanhadas pela sua inseparável viola.

O senhor José Juventino foi um artista nestas duas artes que foram, sem dúvida, a paixão de uma vida.

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