Renato da Cunha
Bettencourt Neves
(08/11/1936 –
10/10/1988)
Via o Renato todos os dias,
saltitando entre o quiosque da Praça Fontes Pereira de Melo e os baixos da casa
do senhor Belchior. Era nesse dois sítios que estava quase sempre.
O único ofício que lhe conheci
foi o de engraxador. Com um banco e a sua caixa, que servia para arrumar os
utensílios da profissão e de base para colocar o pé com o calçado à espera de
atenção, procurava os clientes, sobretudo aos domingos, na Praça Fontes Pereira
de Melo, para lhes dar brilho nos sapatos. Enquanto limpava, dava graxa e
polia, o Renato conversava com os seus clientes, que eram todos seus
conhecidos, sobretudo sobre futebol.
No entanto o Renato, enquanto
rapaz, serviu em várias casas de Santa Cruz. Cuidava dos quintais, tratava dos
animais e fazia as “voltas” necessárias àquelas famílias. Nesse tempo ficou
conhecido por “guarda-joias”, talvez devido a alguma inconfidência logo
aproveitada pelos especialistas em atribuir alcunhas.
Era um homem magro e de baixa
estatura, podendo mesmo classificar-se com franzino. Andava bem penteado, muito
à conta da brilhantina que lhe alisava o cabelo. No canto da boca via-se quase
sempre um cigarro que também lhe amarelava os dedos.
Com o advento da democracia em
1974, os partidos de então, e eram muitos, faziam incursões por estas ilhas
debitando as suas ideias em inúmeras sessões de esclarecimentos. O Renato,
impulsionado por aquilo que era uma autêntica novidade para todos os graciosenses,
levou isso a peito de tal maneira que, quando bebia uns “copitos” a mais, era
vê-lo por cima do quiosque da praça em animado “comício” para deleite dos
transeuntes, sobretudo os notívagos, que faziam da praça a sua sala de estar.
Empenhava-se muito naquelas suas
intervenções, mas não ofendia ninguém. Quando queria reforçar uma ideia ou
mesmo repeti-la usava sempre a expressão “ou que seja”, o que levou algumas
pessoas a tratá-lo assim, pois, como se sabe e já aqui foi referido, as
alcunhas na Graciosa, por vezes, surgem do nada.
Era adepto do Graciosa Futebol
Clube, onde chegou a jogar. Certo dia, o treinador mandou-o, na segunda parte,
saltar do banco para jogar a ponta de lança. O defesa Reinaldo Tristão, pai e
avô de dois guarda-redes do mesmo clube, colocou-lhe a bola no meio campo e o
Renato, com o seu passo miudeiro, isolou-se e correu em direção à baliza à
guarda do Antero. Quando se viu só à frente da guarda-redes do Santa Cruz Sport
Clube desferiu um remate e o Antero, fazendo o que lhe competia, atirou-se para
o lado esquerdo e defendeu … a bota de travessas do Renato, enquanto a bola
seguiu, menos veloz mas mais certeira, em direção à baliza, fazendo assim um
golo de antologia, que o seu autor nunca mais esqueceu, nem nunca deixou de
contar sempre que se falava de futebol.
O Renato, ainda novo, teve
necessidade de receber tratamento na vizinha Ilha Terceira. Foi aí que acabou
por encontrar-se com a morte de uma forma trágica e inesperada.
Sem comentários:
Enviar um comentário