Valter da Cunha Melo
(12/02/1934 –
22/03/2011)
Quando o navio Ponta Delgada se
aproximava do porto de Santa Cruz ou da Praia, surgia ao fundo uma lancha com o
Cabo do Mar a bordo que, com uma bandeira, sinalizava o local apropriado para o
comandante da embarcação mandar arrear a âncora. Esta manobra era fundamental
pois permitia aos conhecedores das baías escolher um bom fundo e dá-lo a
perceber ao comandante e assim evitar a perda de tão importante equipamento. A
partir do fundeadouro o serviço de desembarque e embarque fazia-se num lento
vaivém desta frágil embarcação de madeira.
De seguida a lancha voltava ao
cais e trocava o Cabo do Mar pelo senhor Valter Melo e dirigia-se novamente ao
navio, encostando-se à escada do portaló feita de madeira e cabos, dependurada no
través do navio. Com a ajuda de um dos marinheiros, que se colocava
estrategicamente no patamar ao fundo da escada, o senhor Valter era a primeira
pessoa a entrar no Ponta Delgada, sempre acompanhado por uma pasta com a
listagem dos passageiros a embarcar e outra papelada necessária ao despacho.
Naquela altura já havia grande azáfama, com os passageiros a prepararem-se para
o desembarque. O senhor Valter, passava pelo portaló em passo apressado e
perdia-se no convés por entre os passageiros em direção ao conferente de bordo para
tratar da burocracia. Depois, a partir do navio, acompanhava toda a operação de
desembarque e embarque dos passageiros e só regressava a terra na última
lancha, cerca de 2 horas depois da chegada.
Primeiro o senhor Valter foi
despachante oficial das Alfândegas. Depois da desativação daquele serviço nesta
ilha, nos anos 70, ingressa na Empresa Insulana de Navegação. Mais tarde
torna-se correspondente do Banco Português do Atlântico e inicia o percurso de
mediador de seguros, tendo sido agente da Tranquilidade, função que exerceu até
à sua reforma.
O senhor Valter Melo era daquele tipo
de pessoas que não deixava ninguém indiferente. Muito alegre e sempre
bem-disposto o senhor Valter destacava-se naturalmente em qualquer grupo, por
ser o centro de todas as atenções. Tinha uma enorme facilidade para contar uma
história e fazia humor a partir de uma qualquer banalidade. Conseguia arrancar
gargalhadas dos amigos com muita facilidade, mesmo com histórias que a partir
da boca de outros não teriam piada nenhuma. Estava sempre pronto para
participar em convívios com os amigos que, normalmente, acabavam com ele a
cantar músicas do reportório popular, sempre acompanhado pelo seu cunhado
Serra, de quem era, também, inseparável amigo.
Este seu registo de pessoa
divertida e bem-disposta contrastava, e muito, com a sua postura no campo
profissional, que encarava com muita seriedade e reconhecida competência, em
todas as funções que desempenhou ao longo da sua vida. Como é recomendável
conseguia sempre manter uma fronteira bem definida entre o trabalho e o
divertimento, nunca misturando as duas coisas.
Há alguns anos atrás foi-lhe diagnosticada
uma doença grave que o obrigou a diversas e prolongadas deslocações para o
respetivo tratamento. A grande maioria das pessoas, perante uma notícia destas,
claudicaria, com toda a certeza. A gravidade desta situação complicada nunca
lhe tirou a alegria de viver, nem amenizou o seu espírito brincalhão. Lutou diariamente
contra esta doença e no final saiu vencedor. Sem dúvida que a experiência de vida
deste homem e a sua reação à adversidade é um exemplo para todos nós, sobretudo
para aqueles que se deixam abater perante a primeira contrariedade.
O senhor Valter Melo tinha uma
grande paixão pelo “seu” Graciosa Futebol Clube. Naquele clube fez de tudo. Foi
jogador durante anos e anos. Lembro-me de o ver jogar, no Campo Grande ou no
Campo da Avenida. Na altura eu não tinha qualquer capacidade para avaliar um
jogador, mas dizem-me que foi grande nesta modalidade. Foi também dirigente,
incluindo presidente da direção. Aliás, deve ter desempenhado todos, ou quase
todos, os cargos existentes nos corpos sociais do clube.
Quando o clube estava instalado
na casa da senhora Carolina Maria, na Rua Dr. João de Deus Vieira, as festas de
aniversário daquela instituição ocorriam, muitas vezes, na sua casa de campo, a
Vivenda Verde, situada no Jardim. Eram momentos mágicos que pude assistir uma
ou outra vez, levado pela mão do meu irmão, e que agora gosto de recordar com
uma certa nostalgia.
Nos anos 80 foi preponderante na
decisão de se construir uma sede social de raiz, em parceria com outros adeptos
daquela instituição. Ele fez parte de um grupo de pessoas que meteu mãos à
obra, literalmente, e ajudou a construir aquele edifício que agora muito
orgulha os seus sócios.
Depois de deixar de jogar, ainda
fez uma perninha num clube criado quase por brincadeira, o Falta de Ar,
constituído por atletas já há muito retirados ou jogadores improváveis, que
participava em atividades locais, tendo, inclusivamente, vencido uma prova nas
Festas de Santo Cristo, perante os incrédulos jovens que faziam parte das equipas
regulares, onde eu próprio me incluía.
Vi-o também jogar voleibol, no
campo de S. Francisco nas tardes de verão, onde se assumia com líder e com quem
todos gostavam de jogar. Eram jogatanas animadíssimas em que a piada fácil,
especialidade do senhor Valter, alternava com as picardias próprias de jogos
muito disputados. As pessoas, depois dos seus trabalhos, juntavam-se ali, equipados
tal como estavam vestidos, marcavam o campo com cal e montavam a rede que
normalmente ficava guardada no saguão do tribunal, tal como a única bola
existente. Dividiam-se as pessoas em dois grupos e escolhia-se alguém da
assistência para dirigir o jogo em cima de um banco cinzento retirado das
sentinas, localizadas mesmo ali ao lado. Não interessava se o eleito percebia
ou não da matéria, o que era imprescindível é que fosse capaz de manter a
ordem. Juntava-se ali uma animada assistência que acompanhava o jogo que só
terminava ao cair da noite.
Era um grande animador dos bailes
do seu clube de sempre. Conseguia transformar facilmente uma noite sem brilho
num baile memorável. Com a sua maneira de ser e a sua alegria, arrastava os
presentes para as coreografias inventadas por ele na hora, ao ritmo das marchas
tocadas pelo conjunto do Graciosa Futebol Clube, onde se destacava a voz e a
trompete do saudoso Gasparinho, o saxofone do Acácio e a viola ritmo ou o órgão
elétrico tocados pelo Valdemiro.
Nos serões que passava no
Graciosa gostava de jogar à sueca ou ao dominó com o seu grupo de amigos. Foi
também ator de teatro no grupo da Filarmónica Recreio dos Artistas,
representando papéis que combinavam com a sua personalidade, ou seja,
divertidos.
O senhor Valter Melo foi um
animador invulgar e também um lutador que soube combater a adversidade com a única
arma que tinha: a alegria de viver. Sem dúvida que o seu percurso de vida
marcou várias gerações, uma das quais a minha.
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