18 de julho de 2012

Competente, dedicado e generoso


Juvenal Correia Teles

(14/02/1923 - 18/01/1996)

Quando saí do consultório do meu tio Gregório, situado no Largo de Santo António, onde agora é a agência da Caixa Geral de Depósitos, transportava na mão uma receita para o problema de pele que tinha aparecido poucos dias atrás e na cabeça trazia a esperança de poder debelar aquele ardor que me afligia, com a aplicação do medicamento prescrito.

Quando cheguei à farmácia Santos Costa e entreguei a receita ao senhor Juvenal da Farmácia, como era mais conhecido, é que percebi que não se tratava de uma receita tradicional, com o nome de um medicamento que seria retirado de uma qualquer prateleira. Antes pelo contrário. Era uma descrição de elementos químicos que combinados na dose certa haveriam de ajudar a combater o problema.

A parte da frente da farmácia tinha uma mesa que servia de balcão e que era a base de uma velha registadora. As paredes estavam preenchidas com armários brancos repletos de medicamentos, meticulosamente ordenados. Na dependência interior existia uma mesa grande no meio, com tampo de mármore onde se podiam ver várias balanças, uma delas de precisão, um gral e outros utensílios farmacêuticos e as paredes ao redor forradas de frascos e potes, escuros como convinha, para manter a pureza dos ingredientes farmacêuticos, todos identificados com uma etiqueta branca, debruada a vermelho. Num dos lados estavam os adesivos, o algodão, a gaze, a tintura de iodo e o mercurocromo, preparados para tratar das feridas de quem procurava aquela farmácia. Sobressaiam também as caixas metalizadas com seringas e agulhas para a aplicação de injeções. No chão existia um estrado de madeira e junto às prateleiras podiam-se ver uns bancos pretos. A limpeza, o cheiro intenso a químicos e a medicamentos, a cor branca do mobiliário e dos tampos das mesas, dava a ideia de estarmos num lugar perfeitamente esterilizado, característica que é, aliás, comum a outros estabelecimentos do género e a hospitais.

O senhor Juvenal dirigiu-se à dependência interior e com o seu olhar experiente chegou, rapidamente, aos componentes descritos na receita e num ápice preparou o medicamento proposto pelo meu tio que me haveria de trazer alivio para a minha maleita.

Naquele tempo era assim. Uma parte do receituário de meu tio Gregório, único médico na ilha durante muitos anos, era composta na própria farmácia. Com a cumplicidade do Dr. Gregório o senhor Juvenal chegava mesmo a recomendar tratamentos, mas quando via que não estava à altura para resolver a situação, era o primeiro a reencaminhar o doente para o médico. Entre os dois havia uma relação de confiança que dava segurança aos doentes. De um lado estava um homem licenciado em medicina e que tinha, segundo dizem, um grande acerto nos diagnósticos e de outro estava um ajudante de farmácia, que aprendeu à sua custa tudo o que sabia, mas, no fundo, dotado de muitos conhecimentos que a longa experiência de mais de 40 anos de atividade lhe tinha dado. A enorme competência profissional demonstrada ao longo de toda a sua vida foi adquirida graças à sua dedicação e ao trabalho árduo.

O senhor Juvenal começou a trabalhar naquele estabelecimento quando tinha apenas 15 anos de idade, logo a seguir ao seu exame da 4ª classe. Interrompeu esta atividade aos 19 anos para cumprir o serviço militar no Batalhão Independente de Infantaria nº 17, onde recebeu um Louvor.

No seu percurso foi ganhando competências e estatuto. Passou a fazer domicílios para aplicação de injeções e tratar de feridas dos doentes acamados, fazendo-se deslocar primeiro de bicicleta, depois de mota e depois de carro. Mais tarde destacou-se na manipulação dos químicos que compunham muitos dos medicamentos que dali saíam. Fez também a contabilidade do estabelecimento.

Nesta sua profissão era chamado à farmácia com muita frequência. Muitas das vezes essas chamadas eram feitas pela noite dentro ou em períodos de invernia, para fornecer os medicamentos a quem deles precisava, o que implicava algum sacrifício pessoal. Nesta profissão muitas vezes o conforto de casa ou a participação em eventos sociais tinham de ser interrompidos para acudir a quem necessitava, tal como ainda hoje acontece.

Em 1982 ingressa na Câmara Municipal onde trabalhou até à sua morte, exercendo funções de carácter administrativo.

Para além destas atividades, o senhor Juvenal era um grande produtor de vinho de cheiro. Desde muito cedo que gostava de produzir o seu próprio vinho que era feito e armazenado numa adega anexa a sua casa. O que sobejava do utilizado para consumo próprio era vendido, nomeadamente exportado para a Terceira e S. Miguel, através do senhor Bernardino. Para este mesmo comerciante comprava pipas e pipas de vinho por toda a ilha, ajudando assim os pequenos vitivinicultores a escoar a produção excedentária. Na semana anterior passava pelas casas das pessoas avisando-as do dia do navio. No dia combinado passava novamente, mas desta vez de camioneta, e carregava as pipas que os produtores tinham deixado à porta das suas adegas. Por mês chegava a exportar 15 pipas de vinho, o que equivalia a 7.200 litros.

Antes de 1974 foi vereador da Câmara Municipal de Santa Cruz da Graciosa. Foi também diretor da Adega Cooperativa da Ilha Graciosa, num período que aquela instituição tinha um peso importante na economia da ilha.

Desempenhou o cargo de delegado nesta ilha do Instituto de Apoio Comercial à Agricultura, Pecuária e Silvicultura, no exercício do qual, segundo referia o seu Presidente da Direção aquando da sua morte, ”foi notório o interesse com que sempre abordou os problemas relacionados com a atividade deste Instituto”.

Na década de 70, altura em que se verificou um grande surto migratório, passou a ser procurador de muitos emigrantes residentes nos Estados Unidos da América e no Canadá. Nessa condição tratava dos imóveis e de outras burocracias de muitos dos que tiveram de procurar um melhor futuro noutras paragens. É sabido que esta função era desempenhada sem qualquer contrapartida, pelo que o senhor Juvenal terá ajudado muitas pessoas de modo gratuito, o que combinava muito bem com o seu feitio generoso, sempre pronto para ajudar quem dele necessitava.

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