Juvenal Correia Teles
(14/02/1923 - 18/01/1996)
Quando saí do consultório do meu tio
Gregório, situado no Largo de Santo António, onde agora é a agência da Caixa
Geral de Depósitos, transportava na mão uma receita para o problema de pele que
tinha aparecido poucos dias atrás e na cabeça trazia a esperança de poder
debelar aquele ardor que me afligia, com a aplicação do medicamento prescrito.
Quando cheguei à farmácia Santos
Costa e entreguei a receita ao senhor Juvenal da Farmácia, como era mais
conhecido, é que percebi que não se tratava de uma receita tradicional, com o
nome de um medicamento que seria retirado de uma qualquer prateleira. Antes
pelo contrário. Era uma descrição de elementos químicos que combinados na dose
certa haveriam de ajudar a combater o problema.
A parte da frente da farmácia tinha
uma mesa que servia de balcão e que era a base de uma velha registadora. As
paredes estavam preenchidas com armários brancos repletos de medicamentos, meticulosamente
ordenados. Na dependência interior existia uma mesa grande no meio, com tampo
de mármore onde se podiam ver várias balanças, uma delas de precisão, um gral e
outros utensílios farmacêuticos e as paredes ao redor forradas de frascos e
potes, escuros como convinha, para manter a pureza dos ingredientes
farmacêuticos, todos identificados com uma etiqueta branca, debruada a vermelho.
Num dos lados estavam os adesivos, o algodão, a gaze, a tintura de iodo e o mercurocromo,
preparados para tratar das feridas de quem procurava aquela farmácia. Sobressaiam
também as caixas metalizadas com seringas e agulhas para a aplicação de
injeções. No chão existia um estrado de madeira e junto às prateleiras
podiam-se ver uns bancos pretos. A limpeza, o cheiro intenso a químicos e a
medicamentos, a cor branca do mobiliário e dos tampos das mesas, dava a ideia
de estarmos num lugar perfeitamente esterilizado, característica que é, aliás, comum
a outros estabelecimentos do género e a hospitais.
O senhor Juvenal dirigiu-se à
dependência interior e com o seu olhar experiente chegou, rapidamente, aos
componentes descritos na receita e num ápice preparou o medicamento proposto
pelo meu tio que me haveria de trazer alivio para a minha maleita.
Naquele tempo era assim. Uma
parte do receituário de meu tio Gregório, único médico na ilha durante muitos
anos, era composta na própria farmácia. Com a cumplicidade do Dr. Gregório o
senhor Juvenal chegava mesmo a recomendar tratamentos, mas quando via que não
estava à altura para resolver a situação, era o primeiro a reencaminhar o
doente para o médico. Entre os dois havia uma relação de confiança que dava
segurança aos doentes. De um lado estava um homem licenciado em medicina e que
tinha, segundo dizem, um grande acerto nos diagnósticos e de outro estava um
ajudante de farmácia, que aprendeu à sua custa tudo o que sabia, mas, no fundo,
dotado de muitos conhecimentos que a longa experiência de mais de 40 anos de
atividade lhe tinha dado. A enorme competência profissional demonstrada ao
longo de toda a sua vida foi adquirida graças à sua dedicação e ao trabalho
árduo.
O senhor Juvenal começou a
trabalhar naquele estabelecimento quando tinha apenas 15 anos de idade, logo a
seguir ao seu exame da 4ª classe. Interrompeu esta atividade aos 19 anos para
cumprir o serviço militar no Batalhão Independente de Infantaria nº 17, onde recebeu
um Louvor.
No seu percurso foi ganhando
competências e estatuto. Passou a fazer domicílios para aplicação de injeções e
tratar de feridas dos doentes acamados, fazendo-se deslocar primeiro de
bicicleta, depois de mota e depois de carro. Mais tarde destacou-se na
manipulação dos químicos que compunham muitos dos medicamentos que dali saíam.
Fez também a contabilidade do estabelecimento.
Nesta sua profissão era chamado à
farmácia com muita frequência. Muitas das vezes essas chamadas eram feitas pela
noite dentro ou em períodos de invernia, para fornecer os medicamentos a quem
deles precisava, o que implicava algum sacrifício pessoal. Nesta profissão muitas
vezes o conforto de casa ou a participação em eventos sociais tinham de ser
interrompidos para acudir a quem necessitava, tal como ainda hoje acontece.
Em 1982 ingressa na Câmara
Municipal onde trabalhou até à sua morte, exercendo funções de carácter administrativo.
Para além destas atividades, o
senhor Juvenal era um grande produtor de vinho de cheiro. Desde muito cedo que
gostava de produzir o seu próprio vinho que era feito e armazenado numa adega
anexa a sua casa. O que sobejava do utilizado para consumo próprio era vendido,
nomeadamente exportado para a Terceira e S. Miguel, através do senhor
Bernardino. Para este mesmo comerciante comprava pipas e pipas de vinho por
toda a ilha, ajudando assim os pequenos vitivinicultores a escoar a produção
excedentária. Na semana anterior passava pelas casas das pessoas avisando-as do
dia do navio. No dia combinado passava novamente, mas desta vez de camioneta, e
carregava as pipas que os produtores tinham deixado à porta das suas adegas.
Por mês chegava a exportar 15 pipas de vinho, o que equivalia a 7.200 litros.
Antes de 1974 foi vereador da
Câmara Municipal de Santa Cruz da Graciosa. Foi também diretor da Adega
Cooperativa da Ilha Graciosa, num período que aquela instituição tinha um peso
importante na economia da ilha.
Desempenhou o cargo de delegado
nesta ilha do Instituto de Apoio Comercial à Agricultura, Pecuária e
Silvicultura, no exercício do qual, segundo referia o seu Presidente da Direção
aquando da sua morte, ”foi notório o interesse com que sempre abordou os
problemas relacionados com a atividade deste Instituto”.
Na década de 70, altura em que se
verificou um grande surto migratório, passou a ser procurador de muitos
emigrantes residentes nos Estados Unidos da América e no Canadá. Nessa condição
tratava dos imóveis e de outras burocracias de muitos dos que tiveram de
procurar um melhor futuro noutras paragens. É sabido que esta função era
desempenhada sem qualquer contrapartida, pelo que o senhor Juvenal terá ajudado
muitas pessoas de modo gratuito, o que combinava muito bem com o seu feitio
generoso, sempre pronto para ajudar quem dele necessitava.
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