Gabriel Correia Pacheco
de Melo
(07/01/1923)
A biblioteca itinerante da
Fundação Calouste Gulbenkian corria as freguesias carregada de livros,
proporcionando aos Graciosenses o acesso à leitura. Para uma grande parte da
população esta era a única hipótese de contatar com os livros.
A carrinha, de marca Citroen,
tinha um aspeto esquisito. Era forrada com uma espécie de chapa frisada, uma
frente proeminente, com formas bem marcadas, mesmo tipo caixote, e com o
tejadilho de abrir. Podia parecer invulgar mas era funcional. O seu interior
guardava cerca de dois mil livros, meticulosamente arrumados, ficando os
infantis nas prateleiras de baixo, os livros de ficção, biografias e de viagens
ficavam ao meio e nas prateleiras superiores eram colocados os livros menos
requisitados.
Terão sido milhares os livros
emprestados nesta ilha por este serviço criado pela Fundação Calouste
Gulbenkian que, deste modo, se substituída ao estado numa das suas funções mais
básicas. No país foram emprestados por esta instituição cerca de 95 milhões de
livros, segundo uma notícia da Lusa/RTP.
A gestão da viatura e do armazém,
que deveria ter o triplo da capacidade da biblioteca itinerante, era feita por
um auxiliar e também por um encarregado, cuja função mais relevante era a de
orientar as escolhas dos leitores. Não se exigia ao encarregado qualquer
formação específica, apenas um boa cultura geral, o gosto pela leitura e uma boa
capacidade para lidar com o público.
O senhor Gabriel Melo tinha todas
essas competências. Durante os vinte e dois anos em que exerceu esta atividade
recebia como ninguém os seus “clientes” e incutia-lhes o gosto pela leitura,
não só lúdica mas também formativa e informativa.
Foi nesta sua função que tive o
primeiro contato com o senhor Gabriel Melo. Ainda me lembro o modo afável com
que recebia as crianças e jovens da minha idade e lhes emitia os cartões onde
eram registados os empréstimos dos livros. Aliás este seu modo terno e sempre
bem-disposto com que tratava as pessoas ainda o acompanha hoje em dia. Era também
ele que distribuía gratuitamente os livros de estudo pelos estudantes com mais
dificuldades.
O senhor Gabriel fez o liceu no
Brasil e é nesse país que inicia o seu percurso laboral. Foi funcionário no
Gabinete Português durante alguns meses e depois transita para o Consulado de
Portugal em Salvador da Baía onde trabalhou durante dois anos.
Em 1946, quando resolve voltar à
sua terra, esteve no Brasil à espera de transporte até Lisboa durante três
longos meses. Chegado à capital portuguesa esperou ainda mais dois meses para
apanhar navio para os Açores. Eram os resquícios da II Grande Guerra Mundial a
ditar as regras numa altura em que faltava tudo. Casa quatro anos depois de cá
chegar e desse casamento resultaram três filhos.
Já na sua terra natal desenvolve
uma intensa atividade social, sendo um dos fundadores do Clube Central e
Recreativo de Guadalupe, de onde nasceram, por sua vez, o Sporting Clube de
Guadalupe e a Filarmónica União Progresso de Guadalupe, dos quais também fez
parte dos seus corpos sociais.
O surgimento do clube teve uma
pequena história. O senhor Gabriel e um amigo, depois de autorizados a utilizar
a casa de sua mãe para bailar, preparavam-se para proceder às respetivas
limpezas na manhã seguinte. Durante a noite o senhor Gabriel pensou que seria do
agrado da população a freguesia poder dispor de um clube definitivo e
identifica a atual sede como um dos melhores sítios para a instalar, mesmo
estando sem soalho e um pouco degradada. Nessa manhã e antes de procederem às
limpezas na casa de sua mãe, conforme estava combinado, seguem até casa do
procurador e fecham o negócio por 40 contos. E foi com este impulso que o Clube
Central e Recreativo de Guadalupe é fundado a 31 de julho de 1955.
O Sporting Clube de Guadalupe
também surge pela vontade deste homem que achava que um clube desportivo na sua
freguesia traria algum movimento, apesar de ter sido dissuadido por amigos que
o assustaram com os problemas que uma estrutura deste género poderia trazer. Não
se atemorizou e procura o terreno para construir um campo de futebol para o
clube que ajuda a inaugurar em 22 de abril de 1962.
No ano seguinte, mais
precisamente no dia 29 de setembro, juntamente com os Guadalupenses que achavam
que a freguesia mais rica e mais populosa da ilha necessitava de uma
filarmónica que lhe desse prestígio, ajudou a fundar a Filarmónica União
Progresso de Guadalupe.
Foi o primeiro ganadero da Graciosa e, por essa via,
foi o percursor das touradas nesta ilha. Com apenas dois toiros promoveu o
gosto pela festa brava, que hoje ainda persiste e se encontra enraizado como
uma tradição do nosso povo. Também se dedicou á exportação de gado vivo para o
continente português durante cerca de 20 anos, atividade que, como se sabe,
dinamizava a economia da ilha.
Em 1980 é eleito Presidente da
Junta de Freguesia de Guadalupe, cargo que exerce até 1983.
Tem um gosto especial por
viagens. Para além de conhecer muito o nosso país, conhece também o Brasil,
onde viveu alguns anos, a Espanha, a Itália, o Reino Unido, a França e os
Estados Unidos.
Tem um jeito muito especial para
contar histórias de todo o tipo, mas distingue-se nas histórias verídicas.
Nestes tempos de correria, em que não se pára para pensar e em que as
preocupações com questões materiais se sobrepõem às coisas simples da vida, é
um prazer ouvir histórias verídicas da nossa e de outras gerações e o senhor
Gabriel fá-lo como ninguém. Conta-as umas atrás das outras.
No dia 7 de janeiro de 2013 o
senhor Gabriel comemorará o seu nonagésimo aniversário, mantendo uma invejável
boa disposição e um espírito jovem, que sempre o tem acompanhado ao longo da
sua vida.
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