Tomaz de Sousa da Luz
(13/11/1922 –
26/12/1977)
O senhor Tomaz era um homem que
dava nas vistas. Era bastante alto e com uma compleição física própria de um
homem do mar. De facto era no mar que trabalhava e era o mar que lhe dava o
sustento.
Naquele tempo os navios de carga
alternavam entre os portos de Santa Cruz e da Praia, de modo a agradar a todos.
Quando o mar pregava uma partida restava ao comandante do navio derivar para o
porto da Folga ou então o cancelar a operação.
Habituei-me a ver o senhor Tomaz
num frenético vai vem nos dias de navio em Santa Cruz. Era ele que coordenava,
a partir do Cais Novo, a ida e a vinda dos batelões, que, rebocados pelas
lanchas, se encostavam no bojo dos navios e aguardavam pacientemente, baloiçando
ao sabor das ondas, as mercadorias que eram arriadas suavemente pelos paus de
carga existentes a bordo. Era dele, da sua experiência e sabedoria, que dependia
a eficiência desta operação tão importante para a economia da ilha.
Está na origem, já depois da
revolução de 1974, da fusão destes trabalhadores dos batelões e das lanchas com
os estivadores e é nessa altura que assume o cargo de encarregado geral da estiva,
passando assim a coordenar toda a operação de carga e descarga dos navios que
demandavam os portos da Graciosa.
Para além desta atividade o
senhor Tomaz era um reputado e exímio pescador. Foi proprietário, primeiro, do Tomaz
Luz e, depois, do Valdemiro Luz, ambos de boca aberta e dedicados à pesca
artesanal. O barco Tomaz Luz foi destruído, juntamente com um barco do senhor
Casimiro, num dia de mau tempo, arrastados para o mar quando se encontravam
varados no Cais Novo. Nesse dia escapou por um triz o barco do mestre António
“Faroleiro” que se encontrava mesmo ao lado destas duas malogradas embarcações.
Mas foi na caça à baleia onde se
destacou mais. Na baleação, como era normal e até recomendável - porque nestas
coisas a experiência e a coragem é que capacitavam as pessoas - fez um pouco de
tudo. De simples tripulante e remador, função que exerceu durante alguns anos,
passou a trancador em 1948 depois de obter a carta de trancador ou arpoador de
cetáceos, que custou, na altura, 81$00. Em 1965, depois de tirar a respetiva
carta de mestre baleeiro cujo custo se cifrou em 86$90, passa a ser o oficial do
bote São Salvador, pertença de uma companhia baleeira da Graciosa. Os valores pagos
pelas licenças eram muito elevados, daí se perceber a importância social que
estas promoções deveriam ter naquele tempo.
O seu porto e de saída e de
entrada era o da Calheta, em Santa Cruz. Era ao largo deste porto que a
Estefânia Correia apanhava o bote comandado pelo mestre Tomaz e era aí que o
deixava quando terminava a faina.
Depois do sinal dado pela vigia
da baleia do Monte da Ajuda, com um foguete ou com a buzina do Mazini (barco que
naufragou no início do século XX no Calhau Miúdo), o mestre Tomaz e os seus
homens deixavam tudo e corriam até à Calheta. Sem tempo a perder tiravam o bote
do barracão, que hoje faz parte do Museu da Graciosa, e faziam-no escorrer até
à água passando pelos paus previamente untados. Era uma correria para se chegar
a tempo ou não fosse a baleia desaparecer dos binóculos do vigia. No regresso,
quer corresse bem ou mal, lavavam o bote, estendiam as linhas no cais da
Alfândega para secarem e faziam o percurso inverso em direção ao barracão.
Certo dia o mestre Tomaz, já
depois de trancado o cachalote, percebe que o animal se deixava conduzir e
avisa os seus homens que iria levá-lo até ao interior do porto da Calheta, para
aí consumar a matança. Não conseguiu os seus intentos, mas falhou por muito
pouco, pois o cachalote acabou por morrer um pouco mais ao lado, nos Terreiros.
A meados dos anos 70, um cachalote,
depois de trancado e de tanto andar às voltas, virou-se repentinamente em
direção ao São Salvador e com um golpe partiu o bote e fez todos os homens caírem
ao mar, que ficaram ali, entre os destroços e o animal, até serem socorridos
pela Estefânia Correia. Para além do mestre Tomaz, oficial do bote, estavam também
o Armandino, trancador, o João “Bota”, o Marcelo, o Valter Bettencourt, o
Urialdo Veiga e o José Manuel Quadros. Depois deste acidente o São Salvador foi
para o Pico e esta tripulação passou a balear no Restinga.
Os que trabalharam com o mestre
Tomaz dizem que era um homem muito rigoroso. Exigia respeito e respeitava os
seus companheiros de trabalho. Os mais novos tratavam-no como um segundo pai,
tal era a consideração que tinham por ele. Era dotado de grande coragem e com invulgar
capacidade para tomar decisões difíceis, muitas vezes necessárias nesta dura vida
de marítimo.
Era também um católico convicto. Não
se coibia de tirar o boné e fazer uma oração sempre que passava pela igreja da
Boa Nova, como que a pedir ou a agradecer a proteção de São Pedro Gonçalves,
padroeiro dos homens do mar. No seu bote e no seu barco eram sempre visíveis
símbolos religiosos que o confortavam nas horas mais difíceis.
A bondade era também uma das suas
grandes qualidades. Gostava de ajudar os outros. Sempre que a pesca rendia
pouco abdicava da soldada a que o barco tinha direito para não penalizar ainda mais
a sua companha. Sabe-se também que quando um dos seus homens deixou de poder
trabalhar no mar continuou a reservar-lhe uma soldada para deste modo o ajudar.
Nutria grande simpatia pelo Graciosa
Futebol Clube, clube onde desempenhou vários cargos nos órgãos sociais.
O senhor Tomaz merece ser
recordado pelas excelentes qualidades profissionais que demonstrou ao longo de
uma vida ligada ao mar e também pelas qualidades humanas que sempre revelou. O
seu caráter de homem exigente, honesto e bondoso fizeram dele uma pessoa
admirada e respeitada na Ilha Graciosa.
1 comentário:
para mim é um privilégio ver reconhecido um pescador, ainda mais em tempos muito dificéis que eram parabéns senhor tomaz e obrigado zé por dar a conhecer.
Enviar um comentário