16 de novembro de 2012

Exigente, honesto e bondoso


Tomaz de Sousa da Luz

(13/11/1922 – 26/12/1977)

O senhor Tomaz era um homem que dava nas vistas. Era bastante alto e com uma compleição física própria de um homem do mar. De facto era no mar que trabalhava e era o mar que lhe dava o sustento.   

Naquele tempo os navios de carga alternavam entre os portos de Santa Cruz e da Praia, de modo a agradar a todos. Quando o mar pregava uma partida restava ao comandante do navio derivar para o porto da Folga ou então o cancelar a operação.

Habituei-me a ver o senhor Tomaz num frenético vai vem nos dias de navio em Santa Cruz. Era ele que coordenava, a partir do Cais Novo, a ida e a vinda dos batelões, que, rebocados pelas lanchas, se encostavam no bojo dos navios e aguardavam pacientemente, baloiçando ao sabor das ondas, as mercadorias que eram arriadas suavemente pelos paus de carga existentes a bordo. Era dele, da sua experiência e sabedoria, que dependia a eficiência desta operação tão importante para a economia da ilha.

Está na origem, já depois da revolução de 1974, da fusão destes trabalhadores dos batelões e das lanchas com os estivadores e é nessa altura que assume o cargo de encarregado geral da estiva, passando assim a coordenar toda a operação de carga e descarga dos navios que demandavam os portos da Graciosa.

Para além desta atividade o senhor Tomaz era um reputado e exímio pescador. Foi proprietário, primeiro, do Tomaz Luz e, depois, do Valdemiro Luz, ambos de boca aberta e dedicados à pesca artesanal. O barco Tomaz Luz foi destruído, juntamente com um barco do senhor Casimiro, num dia de mau tempo, arrastados para o mar quando se encontravam varados no Cais Novo. Nesse dia escapou por um triz o barco do mestre António “Faroleiro” que se encontrava mesmo ao lado destas duas malogradas embarcações.

Mas foi na caça à baleia onde se destacou mais. Na baleação, como era normal e até recomendável - porque nestas coisas a experiência e a coragem é que capacitavam as pessoas - fez um pouco de tudo. De simples tripulante e remador, função que exerceu durante alguns anos, passou a trancador em 1948 depois de obter a carta de trancador ou arpoador de cetáceos, que custou, na altura, 81$00. Em 1965, depois de tirar a respetiva carta de mestre baleeiro cujo custo se cifrou em 86$90, passa a ser o oficial do bote São Salvador, pertença de uma companhia baleeira da Graciosa. Os valores pagos pelas licenças eram muito elevados, daí se perceber a importância social que estas promoções deveriam ter naquele tempo.

O seu porto e de saída e de entrada era o da Calheta, em Santa Cruz. Era ao largo deste porto que a Estefânia Correia apanhava o bote comandado pelo mestre Tomaz e era aí que o deixava quando terminava a faina.

Depois do sinal dado pela vigia da baleia do Monte da Ajuda, com um foguete ou com a buzina do Mazini (barco que naufragou no início do século XX no Calhau Miúdo), o mestre Tomaz e os seus homens deixavam tudo e corriam até à Calheta. Sem tempo a perder tiravam o bote do barracão, que hoje faz parte do Museu da Graciosa, e faziam-no escorrer até à água passando pelos paus previamente untados. Era uma correria para se chegar a tempo ou não fosse a baleia desaparecer dos binóculos do vigia. No regresso, quer corresse bem ou mal, lavavam o bote, estendiam as linhas no cais da Alfândega para secarem e faziam o percurso inverso em direção ao barracão.

Certo dia o mestre Tomaz, já depois de trancado o cachalote, percebe que o animal se deixava conduzir e avisa os seus homens que iria levá-lo até ao interior do porto da Calheta, para aí consumar a matança. Não conseguiu os seus intentos, mas falhou por muito pouco, pois o cachalote acabou por morrer um pouco mais ao lado, nos Terreiros.

A meados dos anos 70, um cachalote, depois de trancado e de tanto andar às voltas, virou-se repentinamente em direção ao São Salvador e com um golpe partiu o bote e fez todos os homens caírem ao mar, que ficaram ali, entre os destroços e o animal, até serem socorridos pela Estefânia Correia. Para além do mestre Tomaz, oficial do bote, estavam também o Armandino, trancador, o João “Bota”, o Marcelo, o Valter Bettencourt, o Urialdo Veiga e o José Manuel Quadros. Depois deste acidente o São Salvador foi para o Pico e esta tripulação passou a balear no Restinga.

Os que trabalharam com o mestre Tomaz dizem que era um homem muito rigoroso. Exigia respeito e respeitava os seus companheiros de trabalho. Os mais novos tratavam-no como um segundo pai, tal era a consideração que tinham por ele. Era dotado de grande coragem e com invulgar capacidade para tomar decisões difíceis, muitas vezes necessárias nesta dura vida de marítimo.

Era também um católico convicto. Não se coibia de tirar o boné e fazer uma oração sempre que passava pela igreja da Boa Nova, como que a pedir ou a agradecer a proteção de São Pedro Gonçalves, padroeiro dos homens do mar. No seu bote e no seu barco eram sempre visíveis símbolos religiosos que o confortavam nas horas mais difíceis.

A bondade era também uma das suas grandes qualidades. Gostava de ajudar os outros. Sempre que a pesca rendia pouco abdicava da soldada a que o barco tinha direito para não penalizar ainda mais a sua companha. Sabe-se também que quando um dos seus homens deixou de poder trabalhar no mar continuou a reservar-lhe uma soldada para deste modo o ajudar.

Nutria grande simpatia pelo Graciosa Futebol Clube, clube onde desempenhou vários cargos nos órgãos sociais.

O senhor Tomaz merece ser recordado pelas excelentes qualidades profissionais que demonstrou ao longo de uma vida ligada ao mar e também pelas qualidades humanas que sempre revelou. O seu caráter de homem exigente, honesto e bondoso fizeram dele uma pessoa admirada e respeitada na Ilha Graciosa.

1 comentário:

lazaro disse...

para mim é um privilégio ver reconhecido um pescador, ainda mais em tempos muito dificéis que eram parabéns senhor tomaz e obrigado zé por dar a conhecer.